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A investigação contra o deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS) em um inquérito sigiloso no Supremo Tribunal Federal (STF) abriu mais um ponto de tensão nas relações entre a Corte e o Congresso. Parlamentares da oposição e analistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que o caso é mais um avanço do STF para fragilizar a imunidade parlamentar, já que a denúncia contra Van Hattem diz respeito a um pronunciamento que ele fez na tribuna da Câmara dos Deputados.

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O advogado André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, considera que a denúncia contra Van Hattem, num inquérito que corre sob sigilo de justiça, é “inconstitucional e abusiva”, por ferir as liberdades constitucionais de expressão e funcional do cargo que ocupa. Marsiglia explica que a imunidade parlamentar é regulada pelo artigo 53 da Constituição Federal, segundo o qual quaisquer palavras de deputados são invioláveis tanto civil quanto criminalmente.

Van Hattem contou que foi intimado a comparecer na Polícia Federal para explicar um pronunciamento feito em agosto, quando criticou a atuação do delegado da corporação Fábio Shor e o chamou de “covarde e bandido”. Shor é responsável por investigações que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados.

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O deputado do Novo disse que foi intimado por meio de seu e-mail parlamentar e, sem saber ao menos do que se tratava, precisou constituir advogado para ter acesso ao inquérito. Segundo Van Hattem, o inquérito é relatado pelo ministro Flávio Dino e a denúncia foi assinada por nove delegados e cinco agentes da Polícia Federal.

Ainda de acordo com o deputado, o ministro Flávio Dino diz, no seu relatório, que os fatos podem ultrapassar as fronteiras da imunidade parlamentar, e que Van Hattem poderia estar cometendo crime contra a honra por ter chamado Shor de “covarde e bandido”. Devido ao caráter sigiloso do processo, a Gazeta do Povo não teve acesso ao documento, nem o STF prestou mais informações sobre o caso.

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Parlamentares reagem com indignação à inquérito contra Van Hattem
A notícia de que Marcel Van Hattem terá que explicar palavras ditas na tribuna, enquanto exerce um mandato parlamentar, provocou indignação entre deputados. Numa rede social, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Caroline de Toni (PL-SC), disse que “temos um poder que age de forma inconstitucional e acha que está acima dos outros poderes”.

“Para quem ainda duvidava dos absurdos que há anos denunciamos, está aí: um parlamentar sendo investigado, alvo de inquérito inconstitucional, por palavras proferidas na tribuna, símbolo sagrado da nossa imunidade parlamentar”, acrescentou a deputada.

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De Toni lembrou ainda que o Congresso tem tomado atitudes para tentar coibir excessos do STF. O pacote de propostas que limitam os poderes do STF, aprovado recentemente pela CCJ, é um exemplo disso, mas seu avanço está limitado pela vontade política do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tem o poder de instalar comissões para debater as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) e dar seguimento à tramitação da pauta anti-STF no plenário.

“Enquanto quem pode pautar as propostas para acabar com esses absurdos está sendo conivente, então outros mais acontecerão”, afirmou De Toni, em referência a Lira.

A líder da minoria na Câmara, deputada Bia Kicis (PL-DF), também criticou a perseguição a Van Hattem. “Nós temos assistido à relativização da imunidade parlamentar há tempos, quando alguns ministros, juízes e procuradores dizem: ‘A imunidade parlamentar é para a tribuna. Ela não é absoluta. Se a pessoa usa a palavra numa entrevista, num vídeo, ela pode não ter garantida a imunidade parlamentar'”, afirmou Kicis.

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A deputada afirmou ainda que o caso é grave e preocupante, e disse esperar que “nenhum presidente da Câmara, nenhum presidente do Senado venha a ‘passar pano’, como se diz, porque não há como aceitar que um parlamentar seja investigado pelas palavras que profere na tribuna”.

O presidente do Novo, Eduardo Ribeiro, prestou solidariedade a Van Hattem e afirmou que era uma questão de tempo até o STF começar a retaliação contra seus críticos no Congresso. “Já acabaram com a liberdade de expressão, agora querem acabar com a imunidade parlamentar? A Constituição é apenas um papel em branco para os ministros? Todo apoio ao Marcel. Não vão nos calar”, afirmou Ribeiro.

Van Hattem disse que conversou por telefone com Lira e contou que o presidente da Casa prestou solidariedade e colocou a Procuradoria da Casa à sua disposição.

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Imunidade parlamentar foi desrespeitada em outras ocasiões, dizem especialistas
Na opinião do jurista Fabrício Rabelo, o Supremo vem relativizando a imunidade parlamentar já há algum tempo, ao entender que ela é limitada a manifestações diretamente relacionadas ao exercício do mandato, sem conferir ao parlamentar a liberdade que a Constituição Federal prevê.

Na Câmara, o ex-líder da oposição Carlos Jordy (PL-RJ) foi alvo de uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal em pleno recesso parlamentar, em janeiro deste ano, quando agentes da Polícia Federal foram a sua residência e até o gabinete na Câmara dos Deputados.

Jordy foi alvo da Operação Lesa Pátria, que investiga as manifestações do 8 de janeiro de 2023 em Brasília, e a ação da polícia provocou grande reação da oposição ao governo no Congresso Nacional, com muitas críticas a interferências do Judiciário sobre os outros poderes.

Alexandre Ramagem (PL-RJ) também esteve na mira da Polícia Federal, em janeiro, na Operação First Mile, com autorização do ministro do STF, Alexandre de Moraes, por suspeita de espionagem ilegal de políticos e autoridades quando comandou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

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Agentes policiais mais uma vez estiveram nas dependências da Câmara dos Deputados para cumprir mandado contra o parlamentar, que nega a existência de uma Abin paralela durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Em outro caso que provocou divergência de entendimentos entre o Judiciário e o Congresso Nacional, o ex-deputado Daniel Silveira foi condenado em 2022 pelo STF a oito anos e nove meses de prisão em regime fechado, por estímulo a “atos antidemocráticos”. Responsável pelo caso, o ministro Alexandre de Moraes também estabeleceu a perda do mandato parlamentar e dos direitos políticos de Silveira, além do pagamento de multa.

Na época, Moraes afirmou que Silveira atuou para impedir o funcionamento do Judiciário e da democracia, e afirmou que a liberdade de expressão prevista na Constituição Federal existe para manifestação de opiniões contrárias, “mas não para opiniões criminosas, discurso de ódio e atentado ao Estado Democrático de Direito”. O STF também anulou o indulto concedido a Silveira por Bolsonaro após a condenação.

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Para analistas, inquérito contra Van Hattem vai tensionar ainda mais as relações entre Congresso e STF
Para o professor aposentado de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Kramer, o novo avanço do STF contra um deputado revela uma tendência de aumento na escalada de hostilidades entre o Judiciário e o Congresso Nacional. O professor de Ciências Políticas Adriano Cerqueira, do IBMEC de Belo Horizonte, concorda com Kramer e acrescenta que o aumento da temperatura entre Congresso e STF vai respingar no governo Lula.

“Principalmente com parlamentares de oposição. O governo vai ter que enfrentar mais dificuldades com esse bloco e mesmo os presidentes de Câmara e Senado vão ter mais dificuldades para tentar fazer avançar qualquer agenda mais favorável para o governo”. destaca Cerqueira.

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Na opinião do jurista Fabrício Rebelo, também não há dúvidas de que há um “tensionamento crescente entre a Suprema Corte e uma ala do Congresso Nacional, notadamente pela crescente intromissão do tribunal em questões típicas da atividade política”. Ele acredita que essa “intromissão” cada vez mais frequente do STF nos assuntos do Congresso corrobora a percepção de que os rumos do país são definidos por decisões judiciais.

Há tempos os parlamentares reclamam do que chamam de ativismo judicial, com a intromissão do Judiciário em temas debatidos pelo Congresso Nacional, como a demarcação de terras indígenas, a desoneração da folha de pagamentos, aborto e drogas.

A oposição, em especial, busca avançar com medidas que possam “frear” esse comportamento. Além das PECs que limitam os poderes dos ministros, ao propor limite às decisões individuais e a possibilidade de derrubada de decisões do STF pelos parlamentares, o próprio deputado Marcel Van Hattem já propôs a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Abuso de Autoridade. O colegiado aguarda apenas despacho de Arthur Lira para ser instalado.

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