As preocupações com a situação fiscal no Brasil têm se intensificado, aumentando a apreensão no mercado financeiro.
No início desta semana, declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, trouxeram um breve alívio, ao sinalizarem que o governo está preparando medidas de contenção de gastos para serem implementadas após as eleições.
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Contudo, a paciência dos investidores com promessas ainda não concretizadas está no limite. Sem a implementação de ajustes fiscais efetivos, os ativos de risco continuam sob intensa pressão.
Na ausência de um plano fiscal robusto e crível, o país tem dependido quase exclusivamente de políticas monetárias, com o Banco Central recorrendo ao aumento das taxas de juros para tentar controlar as expectativas de inflação e restaurar a confiança na economia.
A situação se agravou após recentes declarações do presidente Lula, que mencionou a compra de novos aviões presidenciais e a ampliação da isenção do Imposto de Renda para rendas de até R$ 5 mil.
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Esses comentários amplificaram as preocupações de um mercado já sensível à falta de controle fiscal.
Para financiar essa proposta de isenção, discute-se a criação de um imposto mínimo para indivíduos com renda superior a R$ 1 milhão, com alíquotas entre 12% e 15%.
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Esse imposto seria calculado sobre a renda total do contribuinte e, caso o valor do imposto mínimo seja maior do que o montante pago pelo sistema atual de Imposto de Renda, o contribuinte teria que pagar a diferença.
No entanto, essa proposta expõe uma falta de inovação na formulação de soluções para reduzir efetivamente os gastos públicos. Até o momento, as alternativas apresentadas pelo governo têm se concentrado principalmente em aumentar impostos, sem uma estratégia clara para cortar despesas de forma sustentável.
Outras declarações do presidente Lula, que contradizem o compromisso anteriormente demonstrado em reunião com líderes financeiros da Febraban, só aumentaram as incertezas.
A afirmação de que “não importa o quanto custa” reacendeu as dúvidas sobre o comprometimento do governo em realizar uma reforma fiscal estrutural necessária para estabilizar a trajetória da dívida pública.
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Sem um plano fiscal claro e consistente, a credibilidade do Brasil continua em xeque, deixando os investidores apreensivos quanto ao futuro econômico do país.
Ainda assim, a notícia de que o governo está preparando medidas de contenção de despesas obrigatórias para serem anunciadas após o segundo turno das eleições municipais tem ganhado grande relevância.
O principal objetivo dessas medidas é controlar os gastos obrigatórios e garantir que a dívida pública bruta do Brasil permaneça abaixo de 80% do PIB, sinalizando um esforço para manter a saúde fiscal do país. A equipe econômica avalia atualmente dois cenários possíveis para a implementação dessas medidas:
- Cenário mais restrito, que envolve ajustes pontuais em benefícios sociais e previdenciários, com foco especial no Benefício de Prestação Continuada (BPC) – este benefício é destinado a idosos a partir de 65 anos e pessoas com deficiência cuja renda familiar per capita não ultrapasse um quarto do salário-mínimo.
- Cenário mais abrangente, que propõe uma revisão mais extensa de diversos programas governamentais. Além do BPC, esse plano considera possíveis ajustes no abono salarial, seguro-desemprego e outros benefícios previdenciários, mirando uma redução mais ampla de despesas.
Embora o segundo plano seja mais ambicioso e potencialmente mais eficaz para melhorar a situação fiscal do país, qualquer movimento que sinalize contenção de gastos é visto de forma positiva pelo mercado, contribuindo para a estabilidade econômica.
No entanto, persiste um ceticismo significativo no mercado quanto à capacidade do governo atual de implementar um ajuste fiscal profundo e efetivo. Sem cortes reais e estruturais nas despesas públicas, é difícil imaginar um progresso substancial na estabilização das finanças do Brasil.
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As metas de déficit zero para 2024 e 2025, e a expectativa de alcançar um superávit de 0,25% em 2026, ainda parecem fora do alcance. Além disso, questões como os gastos tributários, que representam cerca de R$ 600 bilhões em renúncias fiscais, não estão sendo abordadas. Também não há planos para alterar a política de valorização do salário-mínimo ou a vinculação de aposentadorias a esse índice.
A falta de vontade política e de apoio em Brasília para aprovar reformas substanciais, especialmente após o resultado das eleições municipais, sugere que uma reforma fiscal mais abrangente pode acabar sendo adiada para um futuro governo, possivelmente após 2026.
No entanto, a implementação de medidas imediatas é crucial para demonstrar um compromisso real com o novo arcabouço fiscal.
A incerteza quanto à execução desses ajustes já resultou em um aumento de estresse no mercado financeiro, refletido na precificação de uma Selic final entre 13,25% e 13,5%, bem acima dos atuais 10,75%.
Além disso, os recentes leilões de títulos do governo, especialmente das NTN-F, registraram as maiores taxas do ano, alcançando 13% ao ano. Esse cenário é alarmante, indicando uma trajetória financeira insustentável a longo prazo. A questão que se impõe é: quem conseguirá sustentar esse alto custo de financiamento por tanto tempo?
Nesse contexto, a determinação da taxa de juros terminal — o ponto em que a Selic deverá se estabilizar — está cada vez mais condicionada às ações do Ministério da Fazenda, e não apenas às decisões do Banco Central. Mesmo um sinal mínimo de comprometimento com a responsabilidade fiscal poderia aliviar a pressão sobre o mercado financeiro e moderar a alta das taxas de juros.
O Brasil, portanto, encontra-se em um momento crítico. Se o governo falhar em adotar medidas que controlem o aumento das despesas obrigatórias, existe um risco real de desancoragem das expectativas inflacionárias, o que poderia elevar a Selic para 13% ou mais. Esse cenário poderia tornar o terceiro mandato de Lula semelhante ao segundo mandato de Dilma Rousseff.
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Por outro lado, uma perspectiva mais favorável se desenha caso o governo implemente medidas eficazes de controle de gastos e cumpra rigorosamente o novo arcabouço fiscal. Essa abordagem proporcionaria resultados substancialmente melhores para a economia e ajudaria a restaurar a confiança dos investidores.
Na prática, Lula tem poucas alternativas, especialmente após o desempenho abaixo do esperado do PT e de seus aliados nas eleições municipais.
Uma reforma ministerial está prevista, possivelmente até o final deste ano ou no início de 2025, alinhada às mudanças de liderança na Câmara e no Senado, onde é provável que Lira e Pacheco consigam emplacar seus sucessores.
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Entretanto, antes dessa reconfiguração política, há questões cruciais que precisam ser resolvidas, incluindo a distribuição de emendas parlamentares, prevista para ocorrer entre o final de outubro e o início de novembro, e a regulamentação da reforma tributária.
Os próximos quatro meses serão determinantes para definir o rumo dos dois últimos anos do terceiro mandato de Lula, com a política fiscal sendo um componente central nesse processo.
Para assegurar um final de ano mais favorável e reconstruir a confiança no governo, é essencial que sejam implementados cortes reais e estruturais nas despesas públicas.