A 48 dias de deixar o comando do Banco Central, Roberto Campos Neto diz não ser “monitor fiscal”, mas dá opinião sobre o tema e afirma que há pressa para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentar um conjunto de medidas de corte de gastos capaz de reverter a piora da percepção de risco do Brasil.
Presidente do Banco Central desde 2019 por indicação de Bolsonaro, com mandato até 31 de dezembro de 2024. Foi o primeiro a comandar a autoridade monetária sob a lei de autonomia. É bacharel e mestre em economia pela UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles), nos EUA, e tem passagens por Santander, B3 e Bozano.
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Ele diz que a receita tem dois caminhos: cortar despesas na “carne” em 2025 e apresentar medidas que indiquem aos agentes econômicos que estruturalmente o arcabouço fiscal -a nova regra para o equilíbrio das contas públicas- ficará mais sustentável no futuro.
Para o presidente do BC, a demora do anúncio deixa cicatrizes no meio do caminho, como investimentos desperdiçados. “Quanto mais se espera, depois mais você acaba tendo que fazer. O choque que precisa ser produzido depois é maior”, diz.
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Depois da divulgação da ata do Copom (Comitê de Política Monetária), o chefe da autoridade monetária nega a intenção de acelerar o ritmo de alta de juros e enfatiza que o colegiado não quis dar sinalização sobre os passos futuros.
No debate sobre o crescimento do país, ele chama de retrocesso a discussão sobre o fim da escala 6×1 de jornada de trabalho. “[O projeto] volta atrás num avanço que foi feito.”
Para Campos Neto, o mercado começou a questionar mais e mais a trajetória da dívida. Grande parte da piora do prêmio de risco [rentabilidade adicional cobrada pelos investidores no Brasil] está associada a esse fato. Se colocou muito peso na eleição do Trump. [Mas] Vimos que, no dia posterior à eleição, não foi ruim para o mercado no Brasil. A moeda até se valorizou bastante. Um pedaço grande dessa piora está ligado ao fiscal.
Eventualmente, caminhamos para uma bifurcação. Para ter uma saída mais organizada, precisa fazer um choque fiscal positivo. Em vez de esperar chegar essa bifurcação, se a gente consegue se antecipar e criar uma surpresa positiva para o mercado em termos de choque fiscal, ajuda.
CN – É uma percepção de que, de fato, o governo está fazendo um corte de gastos que seja relevante não só no curto prazo, mas também de forma estrutural para frente.
CN – Não mecanicamente, mas, se o choque tiver um impacto nas variáveis macroeconômicas de tal forma que diminua o prêmio de risco, impacta, sim.
CN – O que poderia ser capaz de reverter esse prêmio de risco é um conjunto de medidas que tenham duas dimensões. A primeira é gerar um corte de gastos na carne no ano de 2025, que seja relevante. E, depois, medidas que indiquem aos agentes econômicos que estruturalmente o arcabouço fica mais sustentável para a frente.
Tem uma percepção de que tem que ser corte de gasto, se forem colocados itens de receita no meio do conjunto de medidas esperado tem um risco de interditar o debate no Congresso. Tem o risco de ser visto como uma medida que não atende os critérios para a diminuição no prêmio de risco. E agora tem pressa.
CN – O tempo é super-relevante. Quanto mais se espera, depois mais você acaba tendo que fazer. Vai gerando uma dinâmica de piora. O choque que precisa ser produzido depois é maior. Tem uma percepção que, quando se tem uma piora de preço e ele volta, voltou tudo ao normal. Isso não é verdade. A trajetória de preço com uma piora muito grande, acompanhada de uma melhora, deixa cicatrizes no meio do caminho.
É gente que não investe, é alguém que fez um hedge, é um investimento que vinha para o Brasil e não veio. É sempre bom voltar a um preço melhor, mas não é verdade que a trajetória não influencia. O ideal é você se antecipar e não agir depois que o mercado já piorou muito.
CN – Olhando as pesquisas que a gente recebe de mercado, tenho escutado entre R$ 30 bilhões e R$ 50 bilhões no ano de 2025 e alguma coisa estrutural. No estrutural, não é uma opinião do Banco Central, o que a gente tem visto os economistas falando é que enderecem o ponto da indexação e da vinculação.
CN – Em nenhum lugar da ata do Copom está escrito que o BC pretende acelerar a alta de juros. Continuamos dizendo que a gente prefere ter um guidance [sinalização futura] aberto e que vamos analisar ao longo do tempo.
CN – O que a gente vê é que os agentes econômicos esperam as medidas e, à medida que elas não acontecem, os preços vão piorando. A informação retirada dos preços de mercado é que o tempo tem jogado contra.
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CN – Eu acho que deveriam ler as atas do último governo, porque eu tinha essa mesma reclamação do ministro Paulo Guedes.
CN – Há várias reformas estruturais feitas que estão produzindo resultados. Por exemplo, o desemprego. Tenho um grande grau de convicção que o desemprego mais baixo, em parte, está associado à reforma trabalhista feita no governo Temer. Quando vejo um projeto como esse do 6×1, ele volta atrás num avanço que foi feito, que é o de flexibilizar as relações de trabalho. Ele tem a capacidade de, ao mesmo tempo, aumentar o custo do trabalho, a informalidade e diminuir a produtividade.
CN – Não existe nada na ata que diga que tem uma aceleração de juros. O que a gente tentou comunicar na ata é que o guidance está em aberto e que a gente vai olhar os dados daqui até lá. Ou seja, não estamos dando nenhum guidance.
CN – Se eu responder a essa pergunta, estou dando guidance.
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CN – Nem todo o mundo emergente vai ter o mesmo impacto. A China tem um impacto maior. O México tem um impacto grande, pelo tema da fronteira e do Nafta. O Brasil é bem menos impactado do que outras economias emergentes. O mundo vai demorar um pouco para digerir e entender quais são as políticas que estão vindo. Tem um grau de incerteza, a gente tem colocado isso na comunicação oficial, mas não vejo isso com muito pessimismo.
DN – No pós-pandemia, não tem um BC no mundo que cumpriu meta. A nossa inflação foi uma das primeiras a começar a cair, agimos de forma antecipada, e os prêmios que você mencionou reconhecem isso. Precisamos agora passar uma mensagem que, passado o período da pandemia, a gente precisa, sim, fazer convergir [a inflação à meta].