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A indústria nacional de carne afirmou que paralisou em massa o abastecimento de todas as lojas do Grupo Carrefour no Brasil (CRFB3)— uma retaliação pelas declarações do CEO global do grupo, Alexandre Bompard.

Bompard disse esta semana que a varejista não vai mais comercializar nenhuma carne proveniente do Mercosul, já que esses produtos “não atendem às exigências e normas francesas.”

A declaração parece ter um fundamento unicamente político: segundo executivos da indústria, mesmo antes da declaração de Bompard o Carrefour França já não vendia nenhuma carne do Mercosul.

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As declarações — dadas a uma entidade do agronegócio francês — caíram como uma bomba no Brasil, onde o setor de proteínas respondeu de imediato com notas de repúdio e ameaças de retaliação.

“Se o CEO global do Grupo Carrefour entende que o Mercosul não é fornecedor à altura do mercado francês, as entidades abaixo assinadas consideram que, se não serve para abastecer o Carrefour no mercado francês, não serve para abastecer o Carrefour em nenhum outro país,” disse uma carta conjunta das quatro maiores entidades do setor, publicada quinta à noite.

A ameaça não ficou só nas palavras. Cinco principais frigoríficos que atendem o Carrefour no Brasil — incluindo a JBS, Marfrig e a Masterboi — já pararam de atender todas as lojas da companhia no Brasil.

O boicote começou nesta sexta, e a estimativa do setor é que 80 lojas do grupo (das bandeiras Carrefour, Atacadão e Sam’s Club) já estão com ruptura nos açougues, “e esse número só vai crescer. Amanhã vão ser 200, depois 400,” disse uma fonte envolvida na retaliação. “Ou o Carrefour se retrata ou a situação vai escalar muito. E não basta o CEO do Brasil vir falar, quem tem que se retratar é o CEO global, que é onde o problema surgiu.”

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O Carrefour Brasil em nota afirmou que o abastecimento de suas lojas está normal.

Segundo fontes do setor, a decisão de parar de abastecer as lojas do Carrefour foi tomada numa assembleia extraordinária da Associação Brasileira de Exportadores de Carne (ABIEC), realizada na noite de quinta-feira.

A entidade representa 98% dos exportadores de carne do Brasil e mais de 80% do abate do mercado interno. “Foi uma decisão de toda a indústria, e ninguém vai voltar atrás até que o CEO global dê uma declaração se retratando que atenda a demanda dos produtores,” disse uma fonte do setor.

Essa fonte lembrou que diferentemente das indústrias de suínos e aves, que são mais verticalizadas, a indústria bovina é essencialmente dependente de produtores terceiros.

“É uma via de mão dupla. Assim como eles dependem da gente, a gente depende deles. Então, temos que estar muito próximos dos produtores, e a declaração causou um dano muito grande à imagem deles,” disse ele. Para o Carrefour, a declaração foi um tiro no pé.

Para agradar os agricultores franceses, a companhia causou um dano gigantesco no seu segundo maior mercado, que faturou € 21,5 bilhões no ano passado, quase o mesmo que todos os outros países da Europa somados (excluindo a França).

“Foi uma decisão descabida. Como corporação, eles dependem muito do Brasil, do ponto de vista de faturamento e rentabilidade,” disse outra fonte.

O pano de fundo da declaração de Bompard é o acordo de livre comércio do Mercosul com a União Europeia, que foi assinado em 2019 e até agora não foi implementado.

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A previsão é que a implementação do acordo aconteça em 6 de dezembro, na próxima reunião do Mercosul, o que tem gerado protestos dos países da União Europeia que são contra (basicamente a França e outros três países, dentre os 27 que compõem o bloco).

A preocupação dos agricultores franceses é fácil de entender. Enquanto a agricultura da França é subsidiada e tem um custo alto de produção, a carne do Mercosul tem uma competitividade muito maior, em parte pelas características geográficas da região.

Esta semana, a situação escalou na França — o que explica o posicionamento de Bompard. Desde segunda-feira os agricultores franceses têm feito manifestações, bloqueando estradas e queimando equipamentos públicos para pressionar o Governo contra o acordo do Mercosul com a UE.

O argumento dos produtores franceses é que eles pagam altas taxas e têm condições comerciais desfavoráveis ao mesmo tempo em que os produtos da América Latina entram com preços mais baixos — segundo eles, porque os padrões ambientais do Mercosul são menos rigorosos. Entidades franceses chegaram a dizer que o acordo poderia “levar à morte” da agricultura local.

O Carrefour não é a primeira empresa a se manifestar contra os produtos do Mercosul. No final de outubro, o CFO da Danone, Jurgen Esser, disse à Reuters que a companhia parou de comprar soja do Brasil e passou a comprar só da Ásia. Dias depois, a Danone publicou uma nota desmentindo a declaração, mas o iogurte já havia azedado.

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Agora outra varejista francesa engrossou o coro contra a região. O Grupo Les Mousquetaires, dono das redes Intermarché e Netto, também disse que não venderá carnes do Mercosul, uma ação que “reforça a soberania alimentar da França e apoia os agricultores locais,” nas palavras do CEO da companhia.

No Governo brasileiro, as medidas têm sido vistas como uma ação orquestrada para minar o acordo Mercosul-UE — que, segundo estimativas do IPEA, tem potencial de aumentar o PIB do Brasil em 0,45% nos próximos vinte anos.

“Não faz sentido achar que é coincidência que um mês atrás foi a Danone que fez, e agora o Carrefour, apontando de forma inverídica as condições de produção brasileira,” o Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse numa coletiva.

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“Me parece uma ação orquestrada. Em 15 dias, duas? Esse tipo de ação, que parece ser orquestrada pelas maiores empresas, de que forma elas colocam pressão sobre a conclusão desse acordo?”

O Carrefour França disse em nota que a medida anunciada na quarta “se aplica apenas às lojas na França.”

“Em nenhum momento ela se refere à qualidade do produto do Mercosul, mas somente a uma demanda do setor agrícola francês, atualmente em um contexto de crise. Todos os outros países onde o Grupo Carrefour opera, incluindo Brasil e Argentina, continuam a operar sem qualquer alteração e podem continuar adquirindo carne do Mercosul.”

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