O CEO do iFood, Diego Barreto, divide o microfone com a cantora Paula Lima, que entoa “Garota de Ipanema” enquanto abraça o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal.
A cena, gravada na última quinta-feira (22) em um jantar em São Paulo, é o último avistamento de um fenômeno antigo, mas que se renovou nos últimos anos: o capitalismo de compadrio.
Não é de hoje que as grandes empresas tentam manter proximidade com o poder público no Brasil. A cultura da troca de favores, o Estado inchado e a confusão regulatória estão na raiz do problema.
Mas a novidade é que, com o seu protagonismo cada vez maior, o STF se tornou um ator tão importante quanto o Congresso ou o Executivo.
E, no STF de 2025, nada melhor que promover um encontro que promova “as ações afirmativas” e a “equidade na magistratura”. Foi o que fez o iFood no evento da semana passada, no qual a empresa anunciou o patrocínio a ações para aumentar o número de magistrados negros e indígenas.
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Karaokê patrocinado
As imagens do karaokê de Barroso ao lado do dono do iFood foram divulgadas pela própria cantora Paula Lima, chamada para animar o evento. Lima foi uma das artistas que se apresentaram na posse do presidente Lula, em 2023.
“Foi um grande prazer cantar na noite de ontem no jantar beneficente para o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF e ilustres convidados a convite do iFood”, escreveu a artista em sua página no Instagram.
O reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente, também celebrou em termos hiperbólicos. Ele também revelou que o jantar teve a participação de outros empresários.
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“Ontem, vivemos um momento histórico na luta por um Judiciário mais representativo. Ao lado do ministro Luís Roberto Barroso, da procuradora Inês Coimbra e do presidente do iFood, Diogo Barretto, reunimos cerca de 50 empresários em um jantar institucional para apoiar a formação de juízes negros e indígenas no Brasil”, escreveu no Instagram. A universidade é uma instituição privada com sede em São Paulo.
Nas imagens do evento, também é possível ver a logomarca do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
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STF vai decidir se os trabalhadores desses serviços devem ser considerados empregados, com todos os direitos previstos na CLT.
Ação sobre vínculo empregatício
Não é exagero dizer que o futuro do iFood no Brasil está nas mãos do STF, presidido por Barroso.
O tribunal está se preparando para julgar um caso com repercussões profundas sobre as plataformas de entrega e de transporte: o STF vai decidir se os trabalhadores desses serviços devem ser considerados empregados, com todos os direitos previstos na CLT.
O Recurso Especial 1446336 chegou à Suprema Corte em 2023. Nele, a Uber questiona uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho que afirmou haver vínculo empregatício entre o Uber e seus motoristas. O iFood também é parte na ação como amicus curiae. Como o caso tem repercussão geral, a decisão do STF sobre o tema vai se aplicar a todos os aplicativos de entrega ou de transporte.
O caso pode ser julgado em breve pelo Supremo. Em dezembro do ano passado, a corte realizou audiências públicas para discutir o tema. A corte ouviu representantes das empresas, entregadores e especialistas no tema.
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Exemplos concretos não faltam: apenas o escândalo da Lava-Jato gerou conteúdo suficiente para muitas dissertações sobre a proximidade entre o Estado e as grandes empresas no Brasil.
Mais recentemente, o economista e professor do Insper Sérgio Lazzarini desenvolveu o conceito de “capitalismo de laços”, que ele define como “modelo assentado no uso de relações para explorar oportunidades de mercado ou para influenciar determinadas decisões de interesse”.
Lazzarini é autor do livro “Capitalismo de Laços”, que teve grande repercussão desde que foi lançado, em 2010. Mas talvez a obra precise de uma atualização. Com o STF aumentando o alcance do próprio poder, ter a amizade da corte é mais importante do que nunca. Daí a festa que reuniu Barroso e o CEO do iFood.
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“Os lobbies não ficam restritos ao executivo e ao legislativo, e agora chegam ao judiciário. E isso remete ao problema da insegurança jurídica no Brasil”, afirma Renan Silva, professor de Economia do Ibmec Brasília, para A Gazeto do Povo.
Ele diz que o ambiente hostil aos negócios é parte da explicação para o fenômeno do capitalismo de laços (ou do capitalismo de compadrio, termo que tem um significado semelhante).
Sufocados por um ambiente de negócios instável e por um ambiente com forte presença estatal na economia, as empresas buscam a proximidade com o poder público como forma de sobreviver. Para o professor do Insper, a única forma de enfraquecer o capitalismo de laços é reduzindo a influência do poder público na economia. “Nós temos que pensar em como desarmar essa situação. É preciso ter um ambiente mais favorável aos negócios, com impostos mais justos”, defende.
Silva afirma que, do ponto de vista das empresas, a decisão de se aproximar do poder público é algo racional e, em princípio, pode ser feita dentro da lei. Por isso mesmo, as autoridades precisam se resguardar. Para o professor, as imagens de Barroso ao lado do presidente do iFood não são defensáveis. “O ente público tem que ter esse discernimento de adequação. Não é adequado eu estar num ambiente com representantes de uma empresa com um processo em andamento, porque isso gera essa percepção de que existe um compadrio. E isso deteriora a imagem dos órgãos públicos”, diz.