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A indicação de um economista de viés antiliberal para uma diretoria do Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma sinalização do governo de Luiz Inácio Lula da Silva de contrariedade à política de austeridade fiscal do fundo, que é um dos principais órgãos financeiros das democracias liberais do Ocidente.

André Roncaglia foi indicado pelo governo Lula em agosto e deve assumir o novo cargo neste mês de setembro, substituindo o economista Afonso Bevilaqua, que havia sido indicado pela gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O ato se soma a outros ataques feitos por Lula contra o sistema financeiro ocidental. Em março de 2023 o petista criticou o uso do dólar como moeda dominante no comércio internacional afirmando ser esta a razão do endividamento de países em desenvolvimento. Lula também embarcou em uma iniciativa política da China de adotar uma moeda no âmbito dos BRICS (bloco político formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Etiópia e Irã) para substituir o dólar.

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Segundo economista da Universidade de Brasília, Roberto Piscitelli, a indicação de Roncaglia é uma marca simbólica, mas que não tem capacidade da transformação dos rumos políticos do FMI. “Ele (Roncaglia) é um voto pulverizado entre dezenas, não tem o poder de mudar muita coisa”, disse.

Mas a nomeação carrega o entendimento do governo Lula que as medidas de austeridade exigidas pelo FMI são nefastas, segundo Piscitelli. As cartas de intenção que acompanham os acordos para os países exigem aperto fiscal nas contas públicas e maior rigidez nos gastos do Estado.

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O governo brasileiro substituiu Afonso Bevilaqua, nome de perfil técnico que estava desde 2019 na cadeira, por um economista ligado à esquerda que defende sua visão de mundo em colunas na imprensa e nas redes sociais.

O Ministério da Fazenda de Fernando Haddad (PT) ocupa o chamado Conselho Executivo do FMI. Por isso, Haddad tem a prerrogativa de escolher o diretor-executivo – terceira instância mais alta do país neste Conselho, depois do próprio Haddad e do presidente do Banco Central. Roncaglia poderá votar junto com outros 24 diretores de outros países. O Brasil está em 10º lugar no ranking de poder da diretoria pois tem 2,32% de participação. O economista trabalhará baseado em Washington e participará das reuniões técnicas que deliberam o cotidiano da instituição e as ações de socorro aos países.

Membros da oposição criticaram a indicação, demonstrando preocupação com a mensagem enviada. “Infelizmente, as instituições todas são instrumentalizadas em favor da ideologia do partido. Andamos mais um passo na interferência estatal, um retrocesso para um mundo que deveria estar cada vez mais de fronteiras abertas ao livre mercado”, declarou o deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS).

A troca substituiu um economista com doutorado na Universidade de Berkeley e especializado em dívida externa por um acadêmico apoiador do governo petista. Suas colunas de opinião defendem temas de esquerda e dizem que o pensamento liberal seria uma “doença”.

“Mas o pior é o governo dizer defender a ciência e não se apegar a ela. Roncaglia tem uma visão ultrapassada que não se respalda em artigos acadêmicos, de que o governo pode gastar à vontade e que isso incentiva a economia”.

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Mas a visão antiliberal não é particular a Ronclaglia. Trata-se de uma opinião consolidada entre economistas de universidades federais, como a Universidade de Brasília (UNB), onde Roncaglia é professor. A austeridade nas contas públicas seria uma “invenção” não apenas indesejável como também nociva de acordo com essa corrente de pensamento.

Após o governo tentar afrouxar medidas da nova regra do recém-criado Arcabouço Fiscal, em abril, o FMI piorou projeções do país, estimando déficit primário de 0,6% do Produto Interno Bruto neste ano e de 0,3% em 2025, o que deve garantir contas públicas no vermelho até 2026, último ano do mandato de Lula. A dívida pública deve alcançar nesta data o valor de mais de 90% do PIB.

Lula indicou Dilma para banco dos Brics no ano passado
O antigo diretor-executivo do Brasil, Afonso Bevilaqua, que estava no cargo desde 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro (PL), também ocupou o Banco Central do Brasil. Ele sofreu pressão de políticos do PT em 2005 por seu alinhamento com medidas de contenção da inflação, como juros básicos calibrados para pressionar para baixo o consumo. Em seu cargo no FMI, ele foi criticado pelo governo esquerdista de Alberto Fernández por não ter se empenhado mais por um tratamento generoso com a endividada Argentina.

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Poucos meses depois de assumir a Presidência da República, Lula indicou a ex-presidente Dilma Roussef ao banco dos Brics, com salário de mais de US$ 50 mil, e também tratou de aproveitar uma brecha na lei das estatais para acomodar aliados nas cadeiras das mais importantes empresas públicas do país.

Economista tinha canal no YouTube chamado Conexão Xangai
Após a nomeação ao FMI, nas redes sociais amigos do economista celebraram a conquista da “Conexão Xangai”. O nome do canal no Youtube que Roncaglia manteve com outros economistas de esquerda desde 2021 teria sido escolhido pela própria audiência como um contraponto ao Manhattan Connection. O talk-show criado pelo jornalista Lucas Mendes e exibido nos canais pagos da Globo ficou famoso pelas participações de nomes mais identificados com a direita como Paulo Francis e Diogo Mainardi.

Logo na descrição do canal vem o ataque ao neoliberalismo. “Somos quatro economistas vacinados contra a doença holandesa e o liberalismo de jardim de infância e que não acreditam em destino das nações, mas em economia do projetamento para a prosperidade nacional.”

Roncaglia tende à visão de mundo que enxerga o Estado e a flexibilização dos gastos como motor do progresso. “Procurarei levar desenvolvimento a lugares do planeta onde ainda não chegou”, projetou Roncaglia.

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O que é o FMI
O FMI é uma instituição que foi criada na Convenção de Bretton Woods, nos EUA, em 1944, último ano da 2ª Guerra Mundial. Na mesma ocasião, o dólar se tornaria a moeda mundial, com seu valor atrelado ao ouro. O papel do FMI era regular o sistema financeiro global e manter a estabilidade. Em outras palavras, impedir que países quebrem e a desordem social e econômica gere guerras.

O Brasil, que já foi muitas vezes tirado do aperto pelo fundo, foi um dos membros-fundadores e hoje é credor da instituição, por isso pode indicar um diretor-executivo. O Brasil também representa outros países menores no fundo, como Equador e Suriname.

Mas o Brasil tem uma trajetória de muitos acordos descumpridos com o FMI. O primeiro presidente a quebrar sua palavra foi Juscelino Kubitschek, em 1959. Ele queria gastar à vontade para atender suas ambições de desenvolvimento e inaugurar no prazo a nova capital: Brasília.

Durante os governos militares, os projetos desenvolvimentistas da ala que acelerou o chamado Milagre Econômico também foram financiados pelo FMI. O pior momento viria com o fracasso do Plano Cruzado, quando o país decretou moratória. O FMI foi retratado então pela esquerda como sinônimo da pobreza do país, com economia caótica e inflação galopante. Eram comuns slogans contra a instituição nas manifestações de esquerdistas, que viam nas exigências de aperto fatores do domínio estrangeiro (americano) do país. “Fora FMI” era palavra de ordem.

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O Plano Real mudaria tudo nos anos 1990. O presidente Itamar Franco regularizou créditos. A gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi obrigada novamente a se endividar. Na campanha para Presidência da República de 2002 pagar a dívida virou promessa de campanha de todos os candidatos, inclusive de Lula. Os passivos no FMI foram quitados no fim de 2005 e, três anos depois, o Brasil virou credor.

A relação atual do Brasil pode ser considerada normal. No entanto, em 2014, o país flertou com uma nova ordem mundial e passou a integrar, junto com emergentes como Rússia, Índia, China e África do Sul o grupo denominado “Brics”, como uma alternativa à hegemonia norte-americana. Considerado por especialistas o único efeito prático da criação do bloco, a o banco dos Brics foi instituído e, desde 2023, é presidido por Dilma em Xangai.

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