Patrocinado

A liquidação extrajudicial do Banco Master, decretada pelo Banco Central na semana passada, é um exemplo de privatização dos lucros e socialização dos prejuízos, avalia Roberto Luis Troster, sócio da consultoria Troster & Associados, que atuou como economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e da Associação Brasileira de Bancos (ABBC).

“Não foram só os mais de R$ 40 bilhões que o FGC [Fundo Garantidor de Crédito] perdeu, há uma série de outros investidores que também perderam recursos de investimentos“, observa Tobler. “Todos nós vamos pagar um pouco disso.”

SAIBA: Lula destina bilhões do dinheiro público para promoção própria próximo a eleição

O banqueiro Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, foi preso preventivamente em 17 de novembro, sob acusação de fraude de R$ 12,2 bilhões contra o sistema bancário. Três dias depois, a Justiça decidiu pela manutenção da prisão, negando pedido de habeas corpus feito pela defesa de Vorcaro.

A quebra do Master é a maior da história do país em termos de impacto para o FGC — instituição privada, sem fins lucrativos, que atua como uma espécie de seguradora para investimentos, garantindo cobertura de até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, por instituição financeira.

Segundo o FGC, 1,6 milhão de investidores do Master, que detém R$ 41 bilhões em depósitos bancários (CDBs), poderão ser ressarcidos. O montante representa um terço do caixa do FGC, que soma R$ 122 bilhões em recursos líquidos.

Antes do Master, o maior resgate do FGC havia sido o do Banco Bamerindus, que somou R$ 3,7 bilhões em 1997, o equivalente a R$ 19,6 bilhões em valores corrigidos pela inflação.

LEIA: Governadores cobram solução para tarifaço e criticam desequilíbrio federativo de Lula. Setores como pescado, indústria entre outros estão abandonados

Diante do maior resgate de seus 30 anos de história, o FGC precisará de novos aportes por parte das instituições financeiras associadas ao fundo, que pressionam por mudanças que tornem o acesso a esse sistema de seguro mais restrito — o que é visto com cautela pelo Banco Central, pois tornaria menos atrativo o investimento em títulos de bancos pequenos e médios, além de encarecer as transações bancária para os brasileiros.

Atualmente, os cinco maiores bancos do Brasil — e também os principais contribuintes do FGC — são Itaú Unibanco, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Santander.

“Os cinco principais bancos estão reclamando por serem contribuintes para o Fundo Garantidor, mas os verdadeiros contribuintes são os investidores”, diz Alexandre Jorge Chaia, professor nas disciplinas de gestão de riscos financeiros e produtos bancários no Insper.

“O que o banco faz: ele poderia pagar mais para o investidor. Mas ele reduz um pouquinho o retorno que o investidor tem, porque um percentual dos depósitos que você aplica é separado [para a contribuição ao FGC]”, explica Chaia.

Atualmente, essa taxa é de cerca de 0,01% sobre os depósitos cobertos pelo FGC, como poupança, CDBs e letras de crédito (LCIs e LCAs).

“Para cada CDB emitido, [esse valor] é pago para o seguro. Obviamente, que os bancos não ficam com esse prejuízo. Eles repassam esse prejuízo para o investidor que recebe menos retorno e tem uma rentabilidade menor”, diz o especialista, que foi executivo nos bancos Interunion e ABN AMRO Bank e atualmente é sócio da Carmel Gestora de Recursos.

“Então, esse é um ponto importante: o dinheiro não é dos bancos. O dinheiro é dos investidores que criam um colchão de recursos para proteger o próprio sistema.”

Banco não tem dinheiro nenhum, quem tem dinheiro é o povo brasileiro, que deixa no banco pois é obrigado pelas leis. E o Banco usa este dinheiro de várias formas, lucra muito com isso, e repassa uma parte pequena para o investidor, dono do dinheiro.

Onde a regulação do sistema financeiro falhou no caso Master?
Para Troster e Chaia, está claro que os mecanismos de regulação do sistema financeiro falharam ao permitir que o Banco Master chegasse à situação em que chegou — embora ambos considerem que as instituições eventualmente funcionaram, ainda que tardiamente.

A estratégia do Master foi marcada por um crescimento vertiginoso baseado na emissão de CDBs com retornos muito atípicos, como 120%, 140% e até 160% do CDI (Certificado de Depósito Interbancário, taxa de juros que serve como referência nos investimentos de renda fixa).

E, na outra ponta, pelo investimento em ativos pouco líquidos e arriscados, como participações em empresas em dificuldades e precatórios — dívidas que o poder público reconhece, por decisão judicial definitiva, e que são pagas conforme cronograma orçamentário, o que pode levar anos.

“Já em maio [deste ano], teve um empréstimo emergencial do FGC de R$ 4 bilhões [ao Master], mostrando que o banco não estava gerando caixa”, observa Troster.

VEJA: Delegada e mulher de Ramagem afirma que perseguição política desumana e…

“O balanço de dezembro de 2024 também já mostrava problemas evidentes: a carteira de crédito era 20% do total do balanço e havia um crescimento absurdo [do total de ativos] de R$ 36 bilhões em dezembro de 2023, para R$ 63 bilhões em dezembro de 2024. Não é comum um crescimento nessa velocidade”, diz o economista, sobre os sinais de alerta que o Master apresentava antes de quebrar.

Para Chaia, do Insper, as falhas do sistema financeiro são anteriores ao caso Master, e ficaram evidentes desde abril, no problema dos débitos automáticos do INSS; no ataque hacker que desviou cerca de R$ 1 bilhão de instituições de pagamento em julho de 2025; e no envolvimento de fundos de investimento em operações de lavagem de dinheiro do crime organizado, reveladas pela operação Carbono Oculto.

“O Banco Central, desde a época do governo Bolsonaro, sob a gestão do Roberto Campos Neto, fez um trabalho muito bom de democratizar o mercado [financeiro]”, pondera Chaia.

Ele cita iniciativas como o open banking (sistema que permite o compartilhamento de dados e serviços bancários entre diferentes instituições financeiras), a multiplicação das fintechs e bancos digitais e o próprio Pix, como fatores que ajudaram a popularizar o acesso das pessoas aos bancos, nos últimos anos, ampliando ao mesmo tempo a competição no setor bancário.

MAIS: Banco Master e controlador gastam mais de R$ 500 milhões em advogados e consultorias com figuras da política e judiciário brasileiro

“Mas acredito que, ao mesmo tempo, o Banco Central foi leniente, não especificamente com o Master, mas com a expansão do mercado financeiro como um todo”, diz o especialista, que acredita que agora o BC deve fazer nos próximos anos um “freio de arrumação”, endurecendo regras para fechar brechas regulatórias que foram exploradas pelas instituições financeiras.

É importante levar que o Banco Master é o antigo banco Máxima que já esteve metido em escândalos financeiros e mesmo assim tudo continuou como se fosse normal de cara novo. Mais ou menos o que ocorre com as empreiteiras da Lava-Jato e irmãos Batista da JBS.

AINDA: Prisão preventiva de Jair Bolsonaro: vigília não é crime e a pulseira da tornozeleira estava intacta

Para Troster, no caso Master, está claro que o BC demorou a intervir.

Para Roberto Troster, ex-economista chefe da Febraban, está claro que o BC demorou a intervir no caso Master, mas conseguiu evitar contágio da crise

“Mas o importante é que resolveu e não permitiu a fusão com o BRB [Banco de Brasília]”, destaca o economista, citando operação barrada pelo Banco Central em setembro e investigada pela Polícia Federal.

SAIBA: “Brasileiros precisam reagir contra a ditadura, amanhã será um de nós”, apela padre

Política e judiciário ligados ao Banco Master

À época, deputados chegaram a aprovar a urgência de um projeto de lei que permitiria a demissão de diretores do BC, numa tentativa de pressionar pela aprovação da compra.

O episódio revelou alguns dos muitos laços do Master e do banqueiro Daniel Vorcaro com o mundo político.

Vorcaro já teve em sua folha de pagamentos, como advogados ou consultores, nomes como Ricardo Lewandowski (ex-ministro do STF e hoje ministro da Justiça), Henrique Meirelles e Gustavo Loyola (ex-presidentes do Banco Central), Guido Mantega (ex-ministro da Fazenda), além de Viviane Barci de Moraes, esposa de Alexandre de Moraes, e o ex-presidente da República Michel Temer.

“O mais importante é que, apesar da dimensão [do caso Master] não tivemos uma crise sistêmica e essa é a função principal [da intervenção do BC ao liquidar o banco]”, considera Troster.

VEJA: Banco estatal BRB manipulou dados contábeis após aquisição de carteiras do Banco Master, afirma Banco Central

Acesse as notícias que enriquecem seu dia em tempo real, do mercado econômico e de investimentos aos temas relevantes do Brasil e do mundo faça parte da lista Vip Clique aqui. Se preferir siga-nos no Google News. Nosso canal no Whatsapp

AINDA: Volkswagen enfrenta rombo bilionário de R$ 67 bilhões e suspende planos de expansão, colocando em risco fábricas e novos modelos

O FGC deveria mudar?
Após a liquidação do Master, vem sendo discutida a possibilidade de mudanças no FGC, como a redução do valor segurado (atualmente em R$ 250 mil) ou a cobertura apenas do valor principal investido, sem os rendimentos.

A ideia com isso seria estimular investidores a analisarem melhor os riscos de seus investimentos e a saúde financeira dos emissores de títulos bancários.

MAIS: Vice-chefe da diplomacia dos EUA alerta sobre decisão de Moraes e fala em “prisão provocativa” de Bolsonaro

Isso porque, na prática, com a garantia do FGC, o investimento em CDBs e letras de crédito até R$ 250 mil por instituição financeira tem menos risco para o investidor, em deixar seu dinheiro sobre a administração dos outros. Mais ainda assim tem riscos, agora por exemplo não tem tem a determinação do dia em que seu dinheiro estará de volta em suas mãos.

A garantia do FGC é inclusive usada como propaganda pelas plataformas de investimento para estimular aportes em títulos muitas vezes arriscados, mas de alto retorno — como os CDBs do Banco Master.

Isso possibilitou uma forte desconcentração bancária no Brasil nos últimos anos, com o surgimento de diversas instituições financeiras de pequeno e médio porte, que conseguem captar recursos, mesmo sem ter uma rede própria de distribuição, tendo seus títulos vendidos por marketplaces de investimento.

A garantia do FGC é usada como marketing pelas plataformas de investimento para estimular aportes em títulos muitas vezes arriscados, mas de alto retorno — como os CDBs do Banco Master

No caso do Master, por exemplo, dos R$ 41 bilhões dos CDBs emitidos com garantia do FGC, cerca de R$ 36 bilhões foram emitidos pelas três maiores plataformas digitais de investimentos: XP, BTG Pactual e Nubank, segundo o jornal Valor Econômico. As três instituições não responderam a pedido de comentário do jornal.

SAIBA: Transparência Internacional afirma “FAB sob Lula se prestando ao papel de piloto de fuga da ex-primeira dama do Peru, condenada por corrupção. Episódio mais infame da história”

Tanto Troster como Chaia minimizam o papel das plataformas na crise do banco Master. Na opinião de ambos, elas são apenas intermediárias na negociação de papéis que, até a eclosão da crise e das suspeitas de fraude na gestão do banco, operavam dentro da legalidade do sistema financeiro.

Se FGC mudar investidores mudam o dinheiro de lugar

Eles também veem com reservas a possibilidade de mudança nas regras do FGC, já que isso pode desestimular o investimento em títulos de bancos pequenos e médios, reduzindo a competitividade do sistema e aumentando o custo de captação para essas instituições financeiras menores.

Troster defende a redução do valor segurado, mas é contrário à restrição da cobertura ao principal, sem os juros.

No mercado, avalia-se que esta segunda medida poderia inviabilizar o seguro como um instrumento para evitar corridas bancárias — quando um grande número de clientes de um banco saca seus depósitos ao mesmo tempo, temendo que o banco possa falir, o que pode, em si, levar a instituição à falência.

LEIA: Delegada e mulher de Ramagem afirma que perseguição política desumana e falta de garantias judiciais obrigou família a deixar o Brasil

Já Chaia é contrário a ambas as medidas cogitadas hoje no mercado, que avalia como punitivas aos investidores. E defende que a atuação do BC deve se centrar no balanço dos bancos.

“A melhor solução é o Banco Central regular a competição entre os bancos, proibir que um banco pequeno faça uma oferta de captação irreal pelo risco da operação e evite que ele pegue esse dinheiro e compre ativos de alto risco para poder pagar essa conta”, defende.

Ele observa que o BC já vem atuando nesse sentido. Desde agosto, e já devido ao caso do Banco Master, o Conselho Monetário Nacional (CMN) endureceu algumas regras para as instituições financeiras associadas ao FGC.

A principal mudança diz respeito ao grau de alavancagem das instituições financeiras participantes do fundo. Por meio da alavancagem, uma instituição pega dinheiro emprestado para investir, multiplicando o valor aplicado, porém expondo-se a riscos.

MAIS: Presidente da Bolívia fecha Ministério da Justiça para acabar com “perseguição política”, no país

A partir de junho do próximo ano, a instituição associada ao FGC que estiver excessivamente alavancada, com valor de referência superior a 10 vezes seu patrimônio líquido ajustado, deverá aplicar o excedente de recursos em títulos públicos federais, considerados investimentos seguros.

A mudança pretende reduzir brechas que permitiam às instituições associadas ao FGC arriscarem-se excessivamente no mercado financeiro.

FGC hoje oferece hoje o que o seguro americano compatível oferece para os investidores nos EUA. Se ele mudar os investidores irão buscar os EUA, visto que já entenderam que no Brasil as instituições bancárias abusam do investidor e o risco estará muito maior.

Receba conteúdo exclusivo sobre os temas de seu interesse! Confirme em sua caixa de e-mail sua inscrição para não perder nada