Milhares de pessoas participaram neste domingo na Avenida Paulista, em São Paulo, da manifestação “O povo nas ruas contra a censura”. O ato defendeu a liberdade de expressão, o fim da censura, a anistia aos presos de 8 de janeiro e o impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Mais cedo, houve manifestação semelhante em Belo Horizonte.
Em depoimento entrecortado por lágrimas, a filha de Clériston Pereira da Cunha, o Clezão, preso nos protestos de 8 de janeiro que morreu na penitenciária da Papuda em novembro de 2023, disse que não desistirá de lutar por justiça à memória do pai. “Meu pai passava mal dentro do presídio, muitos não sabem, mas era taxado como frescura. Meu pai teve três mal súbitos dentro do presídio, a voz dele foi calada. Lutarei até o último suspiro por justiça pelos inocentes do 8 de janeiro e por justiça para o Clezão”, disse Luiza da Cunha.
A família de Clezão acusa o ministro Alexandre de Moraes de prevaricação, maus-tratos, abuso de autoridade e tortura. Mesmo com parecer da Procuradoria-Geral da República favorável à soltura de Clezão, por motivos de saúde, e apesar de reiterados pedidos da defesa, durante meses seguidos o magistrado preferiu não analisar o caso.
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Críticas a reformas paradas na Câmara
Dentre políticos com mandato presentes ao protesto na Paulista, o senador Eduardo Girão (NOVO-CE), endossou as críticas ao STF e a Moraes. Ele afirmou que há muitas famílias “destruídas, devastadas, porque o ordenamento jurídico do Brasil não é respeitado pelos ditadores da toga”.
“Eu critico o Senado sempre que possível. Mas a culpa não é só do Senado. A responsabilidade por esse momento trágico do Brasil é da Câmara dos Deputados também”, afirmou Girão, que elencou três importantes leis aprovadas pelos colegas, mas que estão paradas na Câmara: a PEC do fim do foro privilegiado, a PEC antidrogas, e o projeto de lei da prisão em segunda instância.
O organizador do evento, o advogado Marco Antônio Costa, conclamou os manifestantes a não desistirem da corrente de empatia e solidariedade pelos presos de 8 de janeiro e pelos perseguidos políticos, que se refugiam na Argentina e nos Estados Unidos. “O Allan dos Santos está com dificuldade financeira para viver. O Filipe Martins está preso, o Daniel Silveira está preso. É tudo prisão golpista, criminosa. E na verdade quem cometeu e ainda comete todos esses crimes em estado de flagrância é o Alexandre de Moraes”, criticou Costa. “A pauta prioritária, que está no coração de vocês, como no meu, é o fora Moraes”, resumiu.
Ativismo judicial repercute cada vez mais no exterior
Durante a transmissão do evento, a ex-juíza Ludmila Lins Grillo, aposentada compulsoriamente por críticas ao STF, comentou os protestos a partir dos Estados Unidos, onde se exilou. Para ela, um marco das arbitrariedades ocorreu em 2019, quando houve proibição de reportagens que falavam sobre as ligações do ministro Dias Toffoli com a empreiteira Odebrecht.
“Ali a coisa começou a desandar, já considerei que estávamos numa ditadura. Agora o jogo é outro, a gente vai realmente precisar de ajuda internacional, porque de acordo com os mecanismos internos do Brasil, não foi possível. Foi por isso que eu saí do país, para poder continuar falando. Se estivesse no Brasil já estaria presa ou com medida cautelar me proibindo de dar entrevistas”, disse Ludmila.
Dentre representantes internacionais no ato da Paulista, estava o jornalista português Sergio Tavares, que em fevereiro deste ano ficou detido por quatro horas no aeroporto de Guarulhos pela Polícia Federal, quando veio ao Brasil cobrir a manifestação convocada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Desde então, segundo Tavares, a repercussão dos abusos judiciais só cresceu, tanto em Portugal, como na sede da União Europeia, em Bruxelas, como em Washington. “Eles tentaram me intimidar no dia 25 de fevereiro, tentaram me assustar, mas não conseguiram, só me deram mais voz”, afirmou.
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Novos protestos serão convocados
Os eventos deste domingo, em São Paulo e Belo Horizonte, devem ser os primeiros de uma série a ser convocada em outros municípios do país, com a mesma bandeira de enfrentar o ativismo judicial.
“Os atos de hoje mostraram que o movimento tem resiliência, a gente está obstinado na luta por um Brasil livre do abuso de poder e de autoridade do STF. A pauta principal é o impeachment do Alexandre de Moraes, mas só isso não resolve. Vai abrir um freio de arrumação para as reformas necessárias no STF. Mas, com os instrumentos que o supremo tem hoje, ele vai continuar cometendo abusos. A classe política que tem receio de se manifestar, acho que vai enxergar que a população não tem receio. A mobilização popular existe e ela é quente”, avaliou Marco Antônio Costa.