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O governo Lula quer afrouxar as regras de investimentos dos fundos de pensão de estatais para que financiem projetos de interesse da gestão petista. Especialistas ouvidos alertam para os perigos dessa estratégia, que causou prejuízos no passado.

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Em agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e os diretores dos principais fundos de pensão de estatais – Petros, da Petrobras; Previ, do Banco do Brasil; Funcef, da Caixa Econômica Federal; e Postalis, dos Correios. A pauta era discutir formas para que os fundos de renda complementar possam investir os recursos das aposentadorias de seus associados no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

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A questão é que os fundos de pensão das estatais têm o objetivo de gerir e maximizar os recursos das contribuições de seus associados, a fim de garantir o pagamento de aposentados e pensionistas. Para tanto, precisam cumprir com regras estritas que visem a essa finalidade. Não é função desses fundos, que são privados, servir a projetos de governo que podem levar a prejuízos e perdas para seus associados na ativa ou já aposentados.

Hoje os fundos de pensão das estatais não têm permissão para adquirir debêntures vinculadas a programas ou projetos do governo. A regra vem da Resolução 4994 do Conselho Monetário Nacional (CMN) de dezembro de 2022, que aumentou o rigor na gestão dos fundos para que experiências malsucedidas do passado não voltem a ocorrer.

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No entanto, em março deste ano, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) – entidade ligada ao Ministério da Previdência que tem a função de fiscalizar e supervisionar as atividades dos fundos de previdência complementar fechada – propôs ao Ministério da Fazenda uma série de modificações na Resolução 4994, dentre as quais figura a abertura para que os fundos possam investir em debêntures de infraestrutura, afrouxando o rigor anteriormente estabelecido.

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O caso mais rumoroso envolvendo os fundos de pensão foi o da Sete Brasil, empresa criada em 2011 para construir e fornecer sondas de perfuração a serem usadas na exploração do pré-sal. Entre os sócios estavam empresas como a Petrobras (que também seria o maior cliente), os bancos Santander, Bradesco e BTG Pactual e os fundos de pensão Petros, Previ, Funcef e Valia (da Vale).

Envolvida em uma sucessão de escândalos relacionados a atrasos, sobrepreço e pagamento de propinas, a empresa foi envolvida na Operação Lava Jato. Em 2015, suas atividades foram alvo de investigação pela Operação Greenfield, da Polícia Federal, e pela CPI dos Fundos de Pensão, na Câmara dos Deputados. Sem conseguir cumprir os contratos de fornecimento de sondas, a Sete Brasil entrou em recuperação judicial no ano seguinte e pediu falência à Justiça em abril de 2024, deixando um rastro de prejuízos bilionários.

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Somente Previ e Vale, que investiram em uma primeira rodada e cujas regras de governança impediram que avançassem com os aportes subsequentes, conseguiram reaver a totalidade dos valores destinados ao Fundo de Investimento em Participações (FIP) Sondas, criado em 2011 para financiar as ações da Sete Brasil.

A Funcef, que não conseguiu entrar em acordo para restituição dos investimentos feitos, teve que suportar um rombo de R$ 1,3 bilhão em suas contas. A perda impactou mais de 100 mil famílias que ainda pagam o equacionamento de seus planos de benefícios.

O professor de Ciências Econômicas da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Josilmar Cordenonssi vê com preocupação a ideia de afrouxar as regras de investimento dos fundos de pensão. “É muito grande a vontade de ocupar esses espaços de se apropriar desses recursos para fazer política de investimento e ganhar eleição e tudo mais para o uso eleitoral”, diz.

Juntos, os recursos administrados por Previ, Petros, Funcef e Postalis chegam a R$ 509,5 bilhões. O valor corresponde a 43% do total de R$ 1,183 trilhão gerido pelas 274 entidades de previdência privada em atuação no país. Os dados são referentes ao ano passado, segundo o estatístico da Abrapp, associação que representa essas entidades.

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O que aconteceu com os fundos de pensão de estatais nos governos do PT.

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Os passos do governo para que fundos de pensão voltem a investir em programas do governo
Desde 2023 o governo tem estabelecido medidas esparsas que, quando vistas de forma conjunta, pavimentam o caminho para que os fundos possam voltar a investir em programas como o PAC. Em agosto de 2023, por exemplo, a Previc publicou a Resolução nº 23, reduzindo as possibilidades de penalização administrativa contra gestores de fundos de pensão acusados de irregularidades.

A Portaria considera “ato regular de gestão” medidas tomadas de boa-fé. A redação da norma estabelece que será preciso comprovar que os gestores agiram com a intenção de prejudicar os beneficiários, quando houver quaisquer processos em razão de prejuízos causados aos ativos dos fundos. É o mesmo que dizer que um médico só pode ser punido por um erro caso seja comprovado que houve intenção de de lesar o paciente.

No início do mês, reportagem do “Estadão” mostrou que gestores dos fundos investigados no âmbito da Operação Greenfield seguem ocupando postos em alguns dos fundos de pensão das estatais e em associações do setor. Um deles estaria alocado na própria Previc, encarregada de fiscalizar o setor, e teria auxiliado na elaboração da nova proposta que prevê “atualizar” a Resolução 4994 do CMN.

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Governo cria debêntures de infraestrutura e Lula se reúne com representantes de fundos de pensão
Em março deste ano, Lula assinou decreto que criou dois tipos de debêntures: as de infraestrutura e as incentivadas. As debêntures são um tipo de papel na qual o investidor se torna credor da iniciativa em questão, mas não sócio da empresa. As regras relacionadas aos prazos e à remuneração das debêntures são acordadas na compra dos títulos.

Na ocasião, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, enfatizou o papel do governo como “facilitador no ambiente de negócios”. Costa ainda afirmou que o objetivo com as debêntures é o de “abrir uma nova janela de financiamento para projetos de infraestrutura”, destacando que era importante para “recebermos financiamento de países, de fundos internacionais”. De acordo com o ministro, as debêntures visam “facilitar e acelerar o projeto de investimentos”.

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Ainda em março, a Previc enviou ao Ministério da Fazenda a proposta para atualizar a Resolução 4994 do CMN. Além de possibilitar que os fundos de renda complementar das estatais invistam nas “debêntures de infraestrutura”, a proposta ainda prevê a mudança de outras regras, como permitir que voltem a investir no mercado imobiliário, até 8% de seus ativos, e que não precisem desfazer de seus imóveis até 2030 – uma das regras atualmente em vigor segundo as resoluções do CMN.

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Previc afirma que fez sugestões para o Ministério da Fazenda, mas quem decide é o CMN
A assessoria da Previc afirmou que sua função é fiscalizar e auditar os fundos de pensão a fim de garantir a lisura de sua gestão e operações. Em relação às propostas para “atualizar” a resolução 4994, afirmou que foi uma demanda do governo. Em julho de 2023, o Ministério da Fazenda organizou a Agenda de Reformas Financeiras, quando ficou acordado que a Previc faria as sugestões para a “modernização” da norma vigente para os fundos de pensão.

De acordo com o site do Ministério da Fazenda, a primeira reunião teve o intuito de discutir as mudanças para o mercado de capitais e de crédito e o mercado de seguros e de previdência complementar aberta. O ciclo contou com a presença do ministro Fernando Haddad e do secretário de Reformas Econômicas, Marcos Pinto – é a secretaria dele que recebeu e está avaliando a proposta encaminhada pela Previc.

Segundo o “Estadão”, houve pressão dentro da Previc e do Ministério da Fazenda para a aprovação da Resolução 23 e da atual proposta. Em relação à proposta de mudança da Resolução 4994, um dos pontos destacados foi a dispensa de uma análise de impacto regulatório, que é responsável por prever possíveis repercussões das novas medidas no mercado.

A assessoria da Previc enfatizou que, ainda que se encontre na Fazenda, a aprovação da proposta é de responsabilidade do CMN, que é composto pelo ministro Fernando Haddad, pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, e pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

A Previc também afirmou que a expectativa é de que a tramitação seja feita com agilidade, para que as medidas ainda possam ser incorporadas ao planejamento que os fundos de pensão fazem no segundo semestre visando o ano seguinte.

Fundos de pensão criaram regras internas e de governança para evitar prejuízos
Sandro Soares de Souza, diretor Financeiro da Previdência do BRB (Banco Regional de Brasília) diz que a eventual permissão não significa, necessariamente, que os fundos vão pôr dinheiro nesse tipo de investimento. Segundo ele, após a Operação Greenfield e os prejuízos de certos fundos, regras internas rígidas passaram a ser adotadas para evitar o rombo causado por investimentos em projetos como a Sete Brasil

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O gestor explicou que todos os fundos fazem um plano de investimentos de cinco anos e que, durante esse período, ao fim de cada ano, revisam as metas, os resultados e consolidam ou fazem modificações na estratégia para o ano subsequente, avaliando, inclusive, indicadores de mercado e de risco.

Segundo ele, caberá a cada um dos fundos avaliar se as debêntures estarão ou não de acordo com seus parâmetros internos de investimento e com seus indicadores de risco. Ele destaca que alguns dos funcionários dos fundos de pensão, como é o caso dele próprio, são contribuintes – ou seja, a decisão que tomarem afetará seus próprios rendimentos, o que estimula a cautela.

A Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, ressaltou que a solidez de seus mecanismos de gestão. Segundo a assessoria, a maior parte dos gestores e auditores do fundo são também seus beneficiários, ou seja, estão contribuindo para a gestão de seus próprios recursos. Além disso, destacou os processos corporativos de gestão e as inúmeras instâncias às quais é preciso recorrer para que quaisquer investimentos sejam aprovados.

A Previ evitou ampliar investimentos na Sete Brasil em 2011 e conseguiu reaver todos os recursos que tinha aplicado na empresa, sem prejuízos aos seus contribuintes.

Em 2011, a diretoria da Petros teria autorizado os aportes na Sete Brasil sem submeter a proposta à sua assessoria de planejamento e investimentos.

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PAC tem histórico de obras inacabadas ou paralisadas
Em governos petistas anteriores, o PAC deixou milhares de obras inacabadas. Em 2017, após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, apuração feita pelo Instituto Brasileiro de Economia da FGV (FGV Ibre) revelou que 53,1% do valor estimado para o PAC entre 2015 e 2018 havia sido executado até aquele momento. No entanto, somente 34,9% das ações haviam sido concluídas.

Obras previstas na primeira fase do PAC (de 2007 a 2010, que previa investimentos totais de R$ 500 bilhões) foram novamente anunciadas na segunda fase (de R$ 955 bilhões, entre 2011 e 2014).

Das obras de água e esgoto previstas no PAC 1, por exemplo, apenas 55% estavam concluídas em 2015. Outras 28% estavam em andamento e 17%, paralisadas. Os dados são do relatório De Olho no PAC daquele ano, também listados pela FGV Ibre.

Em agosto do ano passado, o governo lançou a terceira edição do PAC, com investimentos públicos da ordem de R$ 240 bilhões e valor total de R$ 1 trilhão quando contabilizadas as parcerias privadas. Mas não há garantias de que a eficiência na execução e conclusão das obras e na aplicação dos recursos públicos ou privados – incluindo os fundos de pensão – será diferente do observado anteriormente.

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O professor Josilmar Cordenonssi avalia que a “tentação” do governo sobre os recursos dos fundos é ainda maior em razão da luta travada com o Congresso Nacional pelo controle do Orçamento. “No Congresso, está difícil diminuir o espaço das verbas para emendas dos parlamentares”.

Com isso, o governo tem recursos limitados para financiar o PAC, que é sua grande “vitrine”. “Então, estão vendo os fundos de pensão como um canal para viabilizar esses projetos, né?”, conclui.

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