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A gigante imobiliária chinesa Evergrande anunciou nesta segunda-feira, que continuará a operar, apesar de um tribunal de Hong Kong ter declarado sua falência, no âmbito de uma ação jurídica movida por alguns de seus credores estrangeiros. Em 2021, uma investida de Pequim contra duas décadas de especulação aprofundou a crise imobiliária chinesa, resultando para a Evergrande numa dívida de 300 bilhões de dólares, a maior do mundo, no setor.

Tribunal de Hong Kong expediu ordem para dissolução da maior construtora chinesa. Medida poderá ter consequências profundas para maior economia do mundo, para além da bolha de um setor imobiliário endividado.

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Inicialmente marcada para dezembro de 2023, a atual audiência fora adiada com base no argumento dos advogados da firma, que possui 240 milhões de dólares em ativos, de que nenhum dos credores estava exigindo sua dissolução. A juíza encarregada do processo, Linda Chan, sublinhou a “óbvia falta de progresso da companhia em apresentar uma “proposta viável de reestruturação”, classificando como “apropriada” a ordem de liquidação.
O advogado Fergus Saurin, que representa um grupo ad hoc de credores, disse não estar surpreso com o veredito: “A companhia não se coordenou conosco. Houve uma história de engajamento de última hora que não deu em nada. Ela própria é a culpada por sua liquidação.” Entre os autores da ação está a Top Shine, registrada em Samoa, investidora de uma das subsidiárias da Evergrande.

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Qual o impacto para a economia chinesa?

A eventual liquidação dos ativos da Evergrande no continente pode representar um sério revés para a segunda maior economia do mundo, que no momento ainda luta para se recuperar da política draconiana que paralisou grande parte do país durante a pandemia de covid-19.

O setor imobiliário tem sido um fator de crescimento decisivo para a China, permitindo aos líderes ostentarem até taxas de crescimento na casa das dezenas. Em comparação, em 2023 a economia só cresceu 5,3%, em parte devido à queda das exportações e da demanda interna, alto desemprego entre jovens e agravamento da crise imobiliária.

Nos últimos anos, diversas incorporadoras de imóveis chinesas foram forçadas a abrir falência, enquanto os investimentos das firmas de construção caíram 10% por dois anos sucessivos. Em 2023, as vendas de novas casas das 100 maiores imobiliárias encolheram mais de um terço, para 451,3 bilhões de iuanes (64 bilhões de dólares).

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Os governos locais, cujos orçamentos dependem da venda de terrenos para imóveis, também estão seriamente endividados e forçados a cortar gastos. Grande parte dos 300 bilhões de dólares devidos pela Evergrande concernia depósitos pagos por cidadãos chineses comuns para compra de apartamentos recém-construídos.

Em dezembro, a consultora britânica Oxford Economics estimou que levará de quatro a seis anos para completar todas as unidades residenciais, inacabadas. Não está definido se os compradores locais serão priorizados perante uma eventual liquidação para credores estrangeiros.

Muitos economistas já predizem que o crescimento econômico da China desacelerará em 2024, e o aprofundamento de uma crise imobiliária poderá enfraquecer ainda mais a demanda, abalando o sistema financeiro nacional.

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Por que o setor imobiliário chinês está em dificuldades?

A China é um país de proprietários de imóveis: cerca de 80% das famílias têm casa própria, e mais de 20% das residentes em áreas urbanas possuem mais de uma propriedade.

Nas últimas duas décadas, os consumidores chineses aplicaram suas economias no investimento imobiliário, catapultando os lucros das construtoras. A especulação inflou os preços de imóveis a níveis insustentáveis. Em 2021, uma unidade residencial média custava quase dez vezes o salário médio. Segundo diversos observadores, Pequim permitiu que a enorme bola imobiliária se alastrasse demasiado antes de interferir.

Em agosto de 2020, em meio à pandemia de covid-19, o presidente Xi Jinping anunciou novos limites para o volume de dívidas que empresas como a Evergrande podiam acumular. Segundo as “três linhas vermelhas”, as imobiliárias tinham que garantir que sua dívida não excedesse 70% de seus ativos; que o total das dívidas estivesse 100% abaixo de seu valor de mercado; e que as reservas financeiras permanecessem em 100% do endividamento de curto prazo.

As novas restrições revelaram a escala em que a Evergrande vinha operando o que se classificou como um esquema de pirâmide fraudulento: há anos ela financiava projetos de construção em andamento com os depósitos visando iniciativas imobiliárias futuras.

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O que acontece agora com a Evergrande?

A presente ordem dá partida a um longo processo que deverá culminar com a liquidação dos ativos da Evergrande no exterior e a substituição de sua diretoria. No entanto não está claro até que ponto o veredito afetará as vastas operações da firma na China continental. O diretor executivo da empresa nessa região, Shawn Siu, criticou a decisão como “lamentável” e prometeu que as operações da imobiliária continuarão.

O caso é considerado um teste para a capacidade de uma ordem de liquidação expedida em Hong Kong ser reconhecida na China continental. No tocante à recuperação de dívidas no continente, os credores estrangeiros preferem o sistema de common law (direito baseado em precedentes) da região administrativa especial, mantido mesmo depois de a ex-colônia britânica ter sido devolvida a Pequim, em 1997.

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Em 2022, o governo chinês concordou em reconhecer ordens de insolvência nas cidades de Shenzhen, Xangai e Xiamen. Na prática, contudo, tem sido difícil impor tais ordens, devido à opacidade do sistema legal do país. Até agora os tribunais continentais só reconheceram uma dessas ordens, e têm o poder de aplicar o próprio discernimento para decidir se a medida procede.

Os liquidantes podem propor um novo plano de reestruturação de débito para os credores estrangeiros, caso determinem que a companhia tem ativos suficientes. Eles também investigariam seus negócios e podem denunciar aos promotores de Hong Kong qualquer suspeita de má gestão.