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STF libera uso de medida coercitiva para pagamento de dívidas. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no último dia 10, ser constitucional a apreensão de documentos como passaporte e Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de pessoas inadimplentes — com uma dívida em aberto. Além das medidas coercitivas, o plenário também aprovou a proibição para participar de concursos públicos e licitações.

A polêmica sobre o tema não é nova, porém a decisão da Suprema Corte abre agora, uma possibilidade infinita para juízes em todo o Brasil.

De acordo com a decisão, qualquer dívida, independentemente de sua origem, pode ser cobrada judicialmente. Após tentativas de organizações para pagamento sem sucesso, o devedor receberá uma notificação oficial para comparecer ao tribunal. Qualquer abuso durante o processo deverá ser contestado às instâncias superiores. O entendimento é válido para pessoa física e jurídica.

Entretanto, instâncias inferiores já vinham aplicando a apreensão da CNH e do passaporte a devedores. Recentemente, por exemplo, a 20ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) decidiu bloquear a CNH e o passaporte de um devedor que, segundo o tribunal, tinha elevado padrão de vida.

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O advogado professor e mestre em direito, Paulo Papini, afirma que o tema é extenso, inclusive ele é autor do livro, Medidas Atípicas para Cumprimento de Ordem Judicial. Segundo Papini, estas medidas coercitivas para pagamento de dívidas não se limitam a bloqueio de CNH e Passaporte. Elas são livres segundo a imaginação do juiz responsável pela decisão. Desta forma, pode determinar o que ele quiser como forma de fazer a pessoa pagar. Pode suspender linha telefônica, assinatura de streaming, redes sociais, bloquear salário, qualquer coisa que o juiz imaginar poderá ser usado.

Processo contra o cantor Frank Aguiar é exemplo

Papini lembrou do caso do processo movido contra o o cantor Frank Aguiar. O cantor ficou impedido de fazer shows e o Ecad ficou obrigado a depositar os valores que ele recebeu de direitos autorais pela execução de suas músicas em juízo. Trata-se de uma dívida com a DGB Logística (ex-Abril Music) por conta de direitos autorais da música “Pé de Bode”.

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O caso começou com a dupla de compositores José Dercídio dos Santos e Aparecido Donizeti Feiria indo à Justiça contra a DGB/Abril Music. Os músicos reclamavam do fato da música deles ter sido incluída em um disco de Frank Aguiar, artista da gravadora, com crédito para outros autores (Antonio Carlos e Jocafi).

A gravadora reconheceu o erro, pagou os direitos devidos e nas prensagens seguintes do disco passou a incluir a informação correta.

Foi aí que o caso mudou de foco. A DGB passou a cobrar de Frank Aguiar o dinheiro pago aos compositores. Isso porque o cantor, por meio de sua empresa, assinou um contrato com a gravadora se responsabilizando por todas as questões de direito autoral nas canções que fosse incluir no álbum. A empresa era representada pelo escritório Fidalgo Advogados.

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A 1ª Câmara de Direito Privado de São Paulo deu razão à gravadora e determinou que Frank Aguiar pague a dívida. O cantor ignorou. A empresa então foi à Justiça para conseguir o pagamento.

O juiz Rodrigo Cesar Fernandes Marinho, da 4ª Vara Cível, não acolheu o pedido para que prefeituras que contrataram show de Frank Aguiar depositassem o dinheiro em juízo. Mas proibiu o cantor de fazer shows até pagar a dívida, sob pena de multa de R$ 50 mil por show. Veja as decisões judiciais aqui.

Devedor tem CNH suspensa para pagamento de aluguel

Em 2020 a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão de um juiz de primeira instância de suspender a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e o passaporte de sócios de uma empresa condenada por ação de despejo e cobrança de aluguéis.

Dessa maneira, o órgão reafirmou a jurisprudência do STJ em relação ao tema, permitindo a adoção de meios atípicos para coagir os devedores a cumprir com suas obrigações legais e financeiras. Em decisão, o colegiado permitiu a imposição desse tipo de restrição a casos em que há indícios de ocultação de patrimônio.

A Quarta Turma ainda não havia analisado o tema em recurso especial. Segundo a relatora dos dois casos na época, ministra Nancy Andrighi, o Código de Processo Civil deu mais flexibilidade ao juiz para aplicação de medidas atípicas, que podem ser executadas de acordo com as circunstâncias de cada caso.

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Na época, a magistrada ainda comparou a coerção psicológica para pressionar o devedor a quitar suas dívidas com a prisão por falta de pagamento de pensão alimentícia, em que o tempo na cadeia não livra o devedor dos seus compromissos.

Ela ainda fez uma ressalva, reconhecendo que muitas vezes a medida coercitiva adotada é desproporcional à dívida, mas que cada caso deve ser examinado individualmente, sem que as instâncias superiores determinem uma regra que não se encaixaria perfeitamente em todos os processos.

O exemplo acima mencionado é contraditório quando se trata da lei específica do inquilinato.

Qual o limite para a coerção?

Papini explicou que “se você tirar o princípio da tipicidade, você tirar princípio da legalidade. Se você permitir que uma execução seja atípica, cada juiz vai poder criar uma punição de acordo com sua cabeça, o juiz poderia por exemplo determinar a suspensão do aplicativo Uber da pessoa. Se você seguir a linha lógica de que pode suspender passaporte, CNH, qualquer coisa”, afirmou ele.

“Isso o Supremo Tribunal Federal, já vem fazendo, mas agora vai ficar liberado para qualquer juiz”.

O professor entretanto, acredita que a maior parte dos juízes no país está contra esse entendimento, por esta razão não deverá utilizá-lo.

Papini também chama a atenção para a forma como a mídia tem noticiado o fato, que não condiz com a realidade da decisão. “A mídia está noticiando como se o STF tivesse autorizado. Não foi bem isso que o STF falou. O STF falou que o controle de constitucionalidade desse tipo de caso tem que ser feito necessariamente da forma difusa. E isto é absurdo, principalmente quando você vê que tem gente sendo presa por falar, isso tudo que está acontecendo no Brasil é muito absurdo. Só que vamos dizer assim, até então isso estava concentrado em um único juiz da suprema corte”.

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“Agora cada um dos 16 mil juízes do Brasil vai ter o direito de vida ou morte sobre o cidadão. Basicamente, é isso. Quem vai decidir, por exemplo, o que é razoável vai ser o juiz em cada em caso. Então nessa determinação que existe agora não se aplica única e exclusivamente para CNH e passaporte, seria para qualquer coisa. Caso assim o juiz entenda. Mais como mais comum, é o que tem sido mais usado, porém, vai da criatividade do ser humano, entendeu? Uma pessoa ter a conta de salário dela bloqueada. Isso vai poder acontecer. Isso já tem acontecido, para falar a verdade, isso já tem acontecido o caso mais comum, é Daniel Silveira, ex-deputado federal”.

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O professor finaliza a explicação afirmando que esta decisão, como outras prejudica os negócios no país. “Isto porque um empresário que tiver uma dívida, o que é comum, pode ter sua possibilidade de negócio aniquilada em menos de um ano, caso restrições e sanções sejam colocadas em sua vida pessoal, acaba-se sua possibilidade de se levantar quitar tudo e recomeçar. Isto já vem acontecendo com várias pessoas até mesmo jornalistas, por diversos motivos”.

Vale apenas ressaltar que a pessoa que é submetida a este tipo de medida coercitiva também tem o direito de recorrer juridicamente para a reversão da situação.