A pressão para mostrar que o governo está tirando do papel novos projetos para gerar crescimento, associada à restrição fiscal do Executivo, pode ressuscitar alternativas financeiras criativas para inchar o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) nos moldes em que se viu no passado.
Essa é a percepção de economistas que acompanham a instituição e a trajetória da política pública. O plano da NIB (Nova Indústria Brasil) reforçou essa leitura.
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O BNDES vai gerenciar R$ 250 bilhões em projetos focados em produtividade, inovação, digitalização e descarbornização na indústria nacional, boa parte de recursos vem de fundos, e já se prevê subsídio e repasses não reembolsáveis (sem expectativa de retorno) em parte das liberações.
O diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do banco, economista Nelson Barbosa, que estava nos governos anteriores de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT, afirma que não existe “volta ao passado”.
“Na NIB, por exemplo, 64% dos recursos são financiamentos com taxa de mercado”, afirma Barbosa.
Entre os sinais de mudança, já chamam a atenção e denotam a volta de riscos, na avaliação de economistas e acadêmicos, estão mudanças em taxas de financiamento e fontes de recursos.
Nos últimos seis anos com Bolsonaro e Temer, o BNDES vinha trabalhando com a TLP (Taxa de Longo Prazo), que é de mercado, sem subsídio. Com a mudança de governo para Lula, começaram as flexibilizações.
Um exemplo é a proposta do projeto de lei 6.235. Além da TLP original, prevê taxas prefixadas, de três ou cinco anos, e também amplia o uso da Selic.
O texto ainda abre caminho para que o CMN (Conselho Monetário Nacional) altere a metodologia de cálculo das taxas prefixadas.
O banco argumenta que não há risco de perdas para o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), fonte de financiamentos, e que a mudança vai favorecer o tomador.
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“O FAT vai receber a mesma remuneração, mas vai haver um benefício para o cliente”, afirma o diretor Financeiro e de Crédito Digital para MPMEs (Micro, Pequenas e Médias Empresas) do BNDES, Alexandre Abreu.
“Depósitos especiais ou disponibilidade já são remunerados pela Selic, mas é preciso fazer um hedge [proteção], o que eleva o custo final em 0,2%. Com a mudança, o custo vai cair”, diz Abreu.
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O economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e colunista da Folha, prefere cautela em relação às alterações que estão em curso no banco.
“O argumento que a gente já está ouvindo é que os valores dos subsídios são baixos, mas políticas equivocadas começaram de pouquinho, mas depois engordam”, afirma.
A principal fonte de preocupação, que todos monitoram e não deu sinal de problemas, é a relação com o Tesouro Nacional.
Os governos anteriores do PT emitiram títulos a taxa de mercado, transferiram para o banco público, que emprestava a uma taxa menor que a captada. De 2008 a 2014, essas transferências geraram um passivo avaliado em R$ 532 bilhões (em valores de 2016, quando iniciaram as negociações para a devolução).
“É um dinheiro muito grande para o legado baixo que ficou. Não houve aumento da produtividade no Brasil”, afirma o economista Pedro Cavalcanti Ferreira, que tem intensa produção acadêmica nas áreas de desenvolvimento e crescimento.
Ferreira relembra que a chamada política de “campeões nacionais” do BNDES, que elegeu setores e até empresas para receber o grosso dos recursos, gerou inúmeras distorções.
Ficou demonstrado, por exemplo, que a indústria naval não se sustenta sem subsídio. Quando perdeu, fechou. As empresas de carne não precisavam do dinheiro, e o BNDES ajudou a criar oligopólio no setor. Grupos brasileiros globais, aptos a emissões, preferiram os financiamentos baratos do banco público.
“O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, disse que, apesar de a política dos campeões nacionais não ter dado certo, o banco não deu prejuízo, mas não é verdade que não houve prejuízo. O dinheiro usado veio de impostos, Tesouro e FAT. Toda a sociedade brasileira pagou por isso e perdeu”, diz Ferreira.
O que reforça a desconfiança no destino do BNDES é o comportamento do próprio governo do PT, que tem sinalizado ímpeto intervencionista, avalia a economista Cristina Schmidt, consultora e professora da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Schmidt lista. O governo pressionou por uma cadeira na Vale, uma empresa de mercado, para o ex-ministro Guido Mantega. Atua para ter voz de comando na Eletrobras, que foi privatizada. Com a Petrobras, retoma as obras da refinaria Abreu e Lima, símbolo de dinheiro mal gasto e corrupção.
“Não é segredo para ninguém: governo do PT acredita que o Estado resolve o problema do setor privado melhor até que o próprio setor privado, e até hoje não apresentou uma avaliação de custo-benefício das políticas intervencionistas que adotou no passado, deram errado e nos levaram a uma das maiores recessões da história”, afirma ela.
“É nítido que já estão inchando o BNDES, e há risco de a gente entrar no ‘recordar é viver’ de políticas públicas que deram errado.”
O diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES, José Luiz Gordon, avalia que a instituição tem sido vítima de análises precipitadas. Cita como exemplo a redução de spreads (diferença da taxa de captação do banco com a de concessão do financiamento), por decisão comercial, que foi, erroneamente, interpretadas como redução de juros, como ocorreu com a linha de exportação e com o Fundo da Marinha Mercante.
“A redução de spread da linha de embarques, em um ano, superou o resultado dos últimos quatro anos somados, e elevou a diversificação, beneficiando a exportação de setores como saúde, máquinas e equipamentos, ônibus”, afirma Gordon.
“Na linha naval, é o mesmo. Redução de spread, não dos juros, para um setor que está sofrendo uma pressão internacional gigante, sujeito a multas se não adotar combustível sustentável, o que vai encarecer a operação.”
MEDIDAS CONSIDERADAS ARRISCADAS ENVOLVENDO O BNDES
Alterações nos indexadores dos empréstimos do BNDES, previstas no PL 6.235
Além da TLP (Taxa de Longo Prazo) original, será possível aplicar taxas prefixadas, de três ou cinco anos, e também utilizar a Selic O texto ainda abre caminho para que o CMN altere a metodologia de cálculo das taxas prefixadas Problemas apontados
Há risco de descasamento entre a remuneração que o BNDES paga ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e o custo de financiamento do Tesouro. O FAT faz parte das contas do Tesouro Críticos dizem que financiamento com Selic pressupõe subsídio, já que a taxa não é usada no mercado A lei permite alteração na estrutura de cálculo das taxas pelo CMN, o que pode afetar a credibilidade dos indicadores Contraponto do BNDES
O BNDES não vai emprestar a várias taxas e remunerar o FAT somente por uma taxa. O banco busca mais flexibilidade para adequar a taxa de captação à taxa de empréstimo Se o cliente quiser taxa fixa, o BNDES remunerará o FAT à taxa fixa, e, se cliente quiser Selic, remunerará o FAT à Selic. Isso já acontece desde 1995 em financiamentos para exportações. O BNDES remunera o FAT pela variação cambial acrescida da SOFR (que substituiu a Libor)]
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Aplicação da TR, está autorizado o uso em até R$ 5 bilhões por ano de financiamentos voltados a projetos de inovação, com a possibilidade de o CMN aumentar o valor sujeito a financiamento Problemas apontados
Tem subsídio, com transferência de risco para o FAT, e falta de clareza sobre o que seja “inovação” Contraponto do BNDES
É um subsídio implícito aprovado pelo Congresso em 2023 com o limite de até 1,5% do estoque do FAT. O limite pode ser ampliado pelo CMN, mas o BNDES não está pleiteando aumento e o valor divulgado na política industrial segue o limite estabelecido na lei.
Os critérios que definem o que é inovação estão em resolução do CMN, e o banco não financia 100% dos projetos com TR Há limite por operação e tomador, e o programa incluirá prestação de contas e cálculo de custo e benefício.
Criação da LCD, a LCD (Letra de Crédito de Desenvolvimento) vai permitir que BNDES vá a mercado captar R$ 10 bilhões por ano Problemas apontados
O CMN pode autorizar aumento do valor das emissões, transformando o BNDES em concorrente do Tesouro ou de instituições privadas, elevando os juros de mercado O pool de poupança para ser emprestado não muda.
Se entra um novo produto, com vantagens (isenção fiscal) para roubar clientes dos outros tomadores, o crédito fica mais caro para os demais A LCD concederá isenção tributária, que, segundo a exposição de motivos do PL, custará quase R$ 1 bilhão no ano que vem. É dinheiro que deixa de entrar no Tesouro Contraponto do BNDES
A LCD é uma proposta para dar ao BNDES fontes próprias de recursos e depender menos do FAT e outros fundos, operando como Caixa e BB. Não tem subsídio O que for captado será emprestado usando a taxa de captação como referência. A emissão pode ser de até R$ 10 bilhões por ano. Está previsto que o Tesouro vai rolar neste ano cerca de R$ 1,3 trilhão.
A LCD vai criar o mesmo tipo de concorrência que uma LCI da Caixa e uma LCA do BB. Quando foram criadas, houve essa crítica, e, 15 anos depois, são fontes importantes para complementar poupança imobiliária e recursos da agricultura. O estoque hoje de LCA e LCI é de R$ 840 bilhões
Financiamento do Fundo Clima, gerido pelo BNDES, mas com emissões do Tesouro por meio dos chamados green bonds (títulos verdes) Problemas apontados
Não tem limite e é mantido pelo Tesouro Fundo Clima faz empréstimos com taxas subsidiadas, por volta de 6% ao ano Tesouro toma recursos no mercado, a taxas mais altas, e coloca o dinheiro no Fundo Clima, que fará empréstimo subsidiado Contraponto do BNDES
É um fundo temporário, com finalidade específica e tem limite anual de capitalização fixado na lei orçamentária Toda emissão do Tesouro é prevista na LOA (Lei do Orçamento Anual), e sua alocação também. No ano passado, o Tesouro tinha espaço autorizado pelo Congresso para emitir títulos internacionais, e dentro desse espaço emitiu US$ 2 bilhões como “sustainable bonds” A LOA de 2024 autorizou a alocação no Fundo Clima.
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Se o governo quiser aumentar, o Congresso precisará aprovar A proposta do Ministério da Fazenda é que o fundo remunere o Tesouro a 6,15% ao ano, que foi a taxa média de captação no primeiro semestre de 2023. As empresas poderão acessar os recursos por essa taxa mais um spread. A estimativa é de uma taxa de até 10% ao ano para o tomador final
Criação do FNDIT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico), previsto na MP 1.205/2023, que instituiu o programa automotivo Mover.
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O fundo receberá recursos de empresas do setor, será gerido pelo BNDES e vinculado ao Conselho Gesto do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) Problemas apontados
Transferência indireta de recursos do Tesouro para o BNDES Pela proposta, a indústria automotiva que receber, dentro do Mover, benefício tributário (isenção de imposto) e se não quiser investir em ciência e tecnologia deve fazer contribuições para o fundo, o que fura o Orçamento e dribla a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
Há, também, a possibilidade de o fundo receber recursos de “outras fontes”, que tanto pode do Tesouro, ou alguma forma “criativa, como o Tesouro emprestar para uma estatal, e ela depositar no fundo. Em geral, fundo privado é uma forma de driblar o Orçamento, e, cedo ou tarde, pesa na dívida pública Contraponto do BNDES
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É um fundo financeiro, não fiscal, e sua sistemática já é utilizada em outros programas, não apenas para empresas automotivas, mas em setores como informática, energia, petróleo e telecomunicações