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Os recursos apresentados pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra decisões do ministro Dias Toffoli que suspenderam as multas aplicadas à J&F e à Odebrecht por atos de corrupção apresentaram um argumento de grande interesse para o governo: a eventual revisão geral de acordos de leniência, a partir da brecha aberta, colocaria em risco pagamentos a órgãos públicos e outros entes lesados que somam R$ 24,7 bilhões.

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Trata-se do valor de multas e ressarcimentos previsto em 50 acordos de leniência firmados pelo Ministério Público Federal (MPF) com empresas que confessaram ilícitos e resolveram colaborar com as investigações. Desses acordos, 27 foram firmados no âmbito da Operação Lava Jato, acusada pelos executivos da J&F e da Odebrecht de coação para a celebração dos acordos.

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Por obra de Toffoli, o grupo dos irmãos Joesley e Wesley Batista paralisou pagamentos que chegariam a R$ 10,3 bilhões; já a Novonor, novo nome do grupo da família Odebrecht, interrompeu depósitos que chegariam a R$ 3,5 bi, segundo cálculos atualizados.

Valores são importantes para vários órgãos e estatais
Os valores são importantes não apenas para o caixa da União, mas também para órgãos ou estatais que receberiam, como Caixa, Petrobras e BNDES, especialmente no momento em que o governo busca turbinar suas receitas para cumprir a meta de déficit zero no Orçamento ou para entregar investimentos sociais por meio dessas empresas públicas.

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Alguns sinais já foram dados de que ao menos parte das dívidas de J&F e Odebrecht deverá sim ser quitada. No último dia 8 de fevereiro, o próprio Toffoli esclareceu que, no caso da Odebrecht, a decisão não vale para R$ 2,7 bilhões devidos pelo grupo à União, dívida resultante do acordo de leniência pactuado com a Advocacia-Geral da União (AGU) e com a Controladoria-Geral da União (CGU), órgãos do Executivo federal. O esclarecimento foi pedido pela AGU. A suspensão dos pagamentos, enfatizou o ministro, valeria apenas para os pagamentos prometidos no acordo com a força-tarefa de Curitiba.

Desde o ano passado, Toffoli tem dado sinais de interesse em se reaproximar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ficou aborrecido com ele em 2019, quando, na prisão, foi impedido pelo ministro de ir ao velório do irmão Vavá.

Outro sinal de que o governo tem interesse nos recursos foi dado em novembro do ano passado, antes das decisões de Toffoli. Naquele mês, o advogado-geral da União, Jorge Messias, enviou ao STF manifestação contrária a uma ação de partidos de esquerda para rever todos os acordos de leniência das operações anticorrupção, com recálculo das multas.

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Partidos de esquerda dizem que executivos de empresas foram pressionados a assinar acordos
Na ação, PSOL, PC do B e Solidariedade apresentaram os mesmos argumentos depois lançados pela J&F e Odebrecht: de que os executivos das empresas teriam sofrido uma pressão indevida para fechar os acordos, com ameaças de prisão; de que os valores acordados são exorbitantes e superam a capacidade de pagamento; e que, com o passar dos anos, os acordos acabaram trazendo prejuízos que ameaçaram a sobrevivência da empresa (caso da Odebrecht, que entrou em recuperação judicial) ou forçaram a venda de ativos valiosos (caso da J&F, que se arrependeu de vender a Eldorado Celulose, e que agora tenta retomar na Justiça).

Nos recursos da PGR, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, rebateu cada um desses argumentos. Depois de chamar a atenção para o montante bilionário que o Poder Público perderia, afirmou que as empresas não apresentaram atos concretos que representassem coação para fechar os acordos.

Ao contrário, estavam assessoradas por advogados das melhores bancas do país capazes de instrui-las sobre os riscos e benefícios obtidos. A pressão, nessas situações, seria algo natural durante negociações de acordos do tipo.

“É óbvio que o particular estará sempre numa posição de pressão. Seria ingênuo supor que alguma grande empresa se apresentaria ao Ministério Público Federal para fechar um acordo de leniência se não percebesse a probabilidade de sofrer danos intensos aos seus interesses se optasse por não colaborar. A empresa sabe dos ilícitos que ela e os seus dirigentes cometeram e sabe das medidas sancionatórias que tanto a empresa como os seus dirigentes estão sujeitos.

Para amenizar esses danos, abre-se-lhes a possibilidade do acordo. O acordo, por sua vez, deve prever medidas sérias e custosas para o particular, sob pena de se transformar a leniência em artimanha para a impunidade”, afirmou no recurso contra a suspensão da multa da Odebrecht.

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Em vários trechos dos recursos, ele chama a atenção para o fato de que os executivos estariam sujeitos a punições bem maiores, com longos períodos de prisão, caso não colaborassem. Nada mais natural que sofressem as consequências pelos atos de corrupção que praticaram.

Argumento semelhante foi apresentado pela AGU na manifestação contra a ação dos partidos de esquerda. Com evidente exagero, eles alegaram “se a empresa celebra o acordo de leniência sem ter negociado os acordos de delação premiada, seus executivos, administradores e controladores vão presos e são condenados no minuto seguinte”.

Jorge Messias rebateu, argumentando que a possibilidade de punição não significa coação. “Os autores classificam como coação o fato de haver previsão de uma reprimenda criminal para determinado ato ilícito.

Todavia, sobressai extremamente inapropriado rotular de ‘coação’ uma imposição lícita (castigo penal) por algo ilícito feito por um gestor de empresa”, afirmou ao STF.

PGR e AGU afirmam que multas foram definidas de forma regular
Quanto aos valores das multas, PGR e AGU afirmaram que eles foram definidos de forma regular, com base na Lei Anticorrupção, de 2013, que previu expressamente a possibilidade de calcular o montante com base nos “faturamentos brutos de todas as pessoas jurídicas pertencentes de fato ou de direito ao mesmo grupo econômico que tenham praticado os ilícitos previstos no art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013, ou concorrido para a sua prática”.

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“Os valores acordados tampouco podem ser vistos como excessivos, se com eles a própria empresa anuiu. Novamente, a presunção aqui é a de que a aceitação foi precedida de estudos sobre a sua justeza e sobre a força econômica da empresa para suportá-los.

Uma empresa do porte da que celebrou o acordo, e que sabia das dificuldades advindas dos danos à imagem resultantes dos atos que praticou, certamente que terá ponderado todas as eventualidades previsíveis, bem como o aspecto de álea que todo o empreendimento econômico supõe a longo prazo. Essa é a presunção que a realidade impõe”, disse Gonet no caso da Odebrecht.

No recurso contra a suspensão da multa da J&F, ele chamou a atenção para o fato de R$ 4 bilhões, dos R$ 10,3 bi devidos, seriam destinados aos fundos de pensão dos funcionários da Petrobras (Petros) e da Caixa Econômica Federal (Funcef).

As investigações da Operação Greenfield – composta por procuradores de Brasília, sem qualquer vínculo com a Lava Jato, de Curitiba – mostrou que os fundos fizeram investimentos prejudiciais na J&F em troca propina para seus gestores, daí a necessidade de ressarcimento.

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Outros R$ 4 bilhões devidos pela Odebrecht seriam destinados ao BNDES, Caixa e FGTS, em razão de investimentos também desvantajosos. Os R$ 2,3 bi restantes iriam para projetos sociais, seguindo um plano elaborado pela Transparência Internacional.

Ainda não há data para o plenário do STF julgar os recursos da PGR contra as decisões de Toffoli, nem para julgar a ação dos partidos de esquerda, mais abrangente.

No dia 8 do último mês, Toffoli deu 60 dias úteis para a Odebrecht tentar renegociar sua dívida junto com AGU e CGU. Não foi fixado prazo para a J&F para isso, mas as duas empresas poderão analisar, pelo tempo necessário, as conversas hackeadas de membros da Lava Jato para embasarem melhor seus pedidos de suspensão e revisão das multas.

A PGR também rebateu o uso desse material. Argumentou que, no caso da J&F, o acordo não foi fechado por procuradores de Curitiba, e sim de Brasília, onde também foi homologado na primeira instância. Em relação à Odebrecht, o órgão argumentou que, desde setembro, a empresa dispõe do material, e não precisaria de mais tempo para analisá-lo.

Além disso, PGR e AGU dizem que o STF não é o foro adequado para rediscutir os acordos, algo que deveria ser feito na primeira instância, onde foram homologados, ou mesmo diretamente junto aos órgãos envolvidos, seja o MPF ou na Controladoria-Geral da União (CGU).

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A ação do PSOL, PC do B e Solidariedade tem como relator o ministro André Mendonça, que, antes de chegar ao STF e ao Ministério da Justiça, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, participou ativamente das negociações dos acordos de leniência da Lava Jato e de outras operações na AGU e da CGU.

Ao contrário de Toffoli, não cedeu aos apelos dos partidos para suspender os pagamentos das empresas. Nesta sexta (16), ele convocou uma audiência de conciliação entre as empresas que fecharam acordos de leniência até 2020 com PGR, AGU, CGU e Tribunal de Contas da União (TCU), a ser realizada no próximo dia 26.